Referência: Lancet Diabetes Endocrinol. 2022 Fev;10(2):120-128
De doenças cardiovasculares até câncer e COVID-19, baixos níveis de vitamina D têm sido associados a piores desfechos de saúde. De tempos em tempos, ensaios randomizados da suplementação têm rotineiramente falhado em demonstrar um benefício e, em alguns casos, encontraram prejuízos, incluindo aumento do risco de quedas e nefrolitíase. Como achados nulos nem sempre indicam ausência de benefício para certos grupos, os pesquisadores se propuseram a determinar se a suplementação mensal de altas doses de vitamina D reduz a mortalidade em idosos saudáveis no ensaio “D-Health”.
Pesquisadores da Austrália recrutaram 21.315 adultos entre 60 e 79 anos de idade em registros eleitorais nacionais e voluntários saudáveis entre 60 e 84 anos. Eles excluíram os indivíduos que já tomavam > 500 UI de vitamina D diariamente ou com histórico de nefrite, sarcoidose, osteomalacia ou hipercalcemia. Os participantes foram randomizados para 60.000 UI de vitamina D por via oral mensalmente ou placebo por 5 anos. Os participantes, estatísticos, pesquisadores e funcionários permaneceram cegos à alocação do grupo do estudo durante o período de seis anos do ensaio. A maioria dos participantes (idade média de 69 anos) foi de ascendência europeia (93%), mais de 60% passavam ≥ 8 horas por semana ao ar livre, e apenas 8% referiam diagnóstico de diabetes. Mais da metade classificou sua saúde geral como excelente ou muito boa. Devido ao alto custo da testagem, os níveis de 25(OH)D no soro foram medidos anualmente em cerca de 5% dos participantes a partir do primeiro ano. Os níveis médios foram de 77 nmol/L (31 ng/mL) no grupo do placebo e 115 nmol/L (46 ng/mL) no grupo do tratamento. A coleta de dados terminou precocemente aos 6 anos, em vez dos 10 anos planejados, devido ao financiamento e à capacidade desejada para comparação com outros estudos recentes
Não foi encontrada diferença significativa na mortalidade por todas as causas pela análise por intenção de tratar (5,3% vs. 5,1% no placebo em comparação com o grupo da vitamina D, razão de riscos [HR] de 1,04, IC de 95%: 0,93-1,18). Isso não diferiu de acordo com status, IMC ou quaisquer outros subgrupos. Entre códigos oficiais de registros de óbitos e determinações pelos autores do estudo, 81% dos óbitos tiveram causa identificada, sendo o câncer a mais comum (51%). Em uma análise pré-especificada, na qual foram excluídos os dois primeiros anos de seguimento (para reduzir o viés de sobrevivência), houve aumento do risco de mortalidade relacionada ao câncer no grupo da vitamina D em comparação com o grupo do placebo (HR de 1,24, IC de 95%: 1,01-1,54). Os eventos adversos, incluindo a nefrolitíase, foram semelhantes em ambos os grupos.
Este estudo sugere que a suplementação de vitamina D, pelo menos nesta dose, poderia potencialmente aumentar o risco de mortalidade relacionada a câncer. Esses resultados contrastam com os de um estudo recente que sugeriu uma possível redução do risco de câncer metastático ou invasivo com a suplementação de vitamina D. Uma limitação deste ensaio foi que ele foi terminado precocemente, o que, como regra geral, superestima o benefício e subestima os danos. Mais importantemente, a população estudada teve níveis mais adequados de vitamina D e parece ser de idosos muito saudáveis. Este estudo não responde à pergunta sobre se a suplementação de vitamina D beneficia os adultos com deficiência marcada de vitamina D que vivem em outras regiões do mundo. No entanto, ele se adiciona ao crescente conjunto de evidências que sugerem benefícios limitados e possíveis danos pela suplementação de vitamina D em altas doses. À luz dos muitos ensaios nulos da suplementação de vitamina D, pode ser hora de a deixarmos de lado.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Carina Brown, MD, professora assistente na residência de Medicina da Família da Cone Health. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na Faculdade de Medicina da Universidade de Massachusetts; Katharine DeGeorge, MD, MS, editora adjunta da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia; Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed; Nicole Jensen, MD, médica de família da WholeHealth Medical; Vincent Lemaitre, PhD, autor Médico Sênior na DynaMed; e Sarah Hill, MSc, editora associada da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, professor do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.