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Reference: N Engl J Med 2014 Jul 17;371(3):203 (evidência de nível 1 [provavelmente confiável])
Durante várias décadas, estudos observacionais vêm demonstrando correlações entre certos marcadores lipídicos e o risco de eventos vasculares. Vários desses marcadores já foram avaliadas como potenciais alvos para a prevenção ou o tratamento da doença vascular. A niacina (também chamada ácido nicotínico ou vitamina B3) é um nutriente essencial para o ser humano que aumenta as concentrações do colesterol lipoproteína de alta densidade (HDL) através de vários mecanismos diferentes. Já foram demonstradas melhoras nos resultados clínicos em pacientes com risco de doença cardiovascular com a redução da concentração do colesterol lipoproteína de baixa densidade (LDL). No entanto, embora o aumento das concentrações de colesterol HDL esteja correlacionado a menor risco de eventos vasculares em estudos observacionais, ainda é pouco claro se a adição de niacina à terapia com estatinas realmente ajuda a diminuir o risco de eventos vasculares. Um grande ensaio randomizado recente avaliou a adição de uma combinação de niacina e laropipranto (um inibidor de prostaglandinas usado para prevenir os fogachos causados pelo ácido nicotínico) em pacientes com doença vascular na vigência de terapia à base de estatina.
Um total de 42.424 pacientes com idades entre 50 e 80 anos, com histórias de infarto do miocárdio, doença cerebrovascular, doença arterial periférica ou diabetes entrou em um período não cego com sinvastatina seguida da adição de ezetimiba, se necessária, até que se chegasse a um padrão na terapia de redução do LDL, além de niacina-laropipranto de liberação prolongada. Depois, os 25.673 pacientes que não tiveram eventos adversos clinicamente significativos durante a terapia inicial continuaram com a estatina e foram randomizados para receberem niacina-laropipranto de liberação prolongada 2g/40mg por dia por via oral versus placebo. O desfecho primário foi a ocorrência de grandes eventos vasculares, definido como um composto de infarto do miocárdio não fatal, morte relacionada a causas coronarianas, acidente vascular cerebral e revascularização arterial. Durante uma média 3,9 anos de acompanhamento, a taxa de eventos vasculares foi de 13,2% no grupo da niacina-laropipranto de liberação prolongada versus 13,7% no grupo do placebo (diferença não significativa). Além disso, a niacina-laropipranto de liberação prolongada foi associada com um aumento da taxa de eventos adversos graves fatais ou não em comparação com o placebo (55,6% versus 52,7%, p <0,001, NNH = 34). O aumento dos eventos adversos graves com a niacina-laropipranto incluiu infecções, sangramentos gastrointestinais, distúrbios do metabolismo da glicose e outros eventos relacionados aos sistemas digestório, respiratório e músculo-esquelético. A niacina-laropipranto de liberação prolongada também foi associada a um aumento não significativo na mortalidade por todas as causas em comparação com o placebo (6,2% versus 5,7%, p = 0,08).
Os resultados deste novo estudo são consistentes com os do ensaio AIM-HIGH, que também não encontrou nenhuma redução de eventos vasculares com a niacina de liberação prolongada na comparação com o placebo em pacientes sob terapia com estatina (N Engl J Med 2011 Dec 15;365(24):2255). Além disso, este novo ensaio mostrou que a utilização da combinação de niacina-laropipranto aumenta a taxa de eventos adversos. A taxa de eventos adversos observados neste estudo, ainda, subestima a verdadeira taxa de eventos associados ao tratamento, já que os pacientes que tiveram eventos adversos durante o período inicial não cego foram excluídos da análise. É de se notar que muitos eventos adversos observados nesse novo ensaio, incluindo infecções e hemorragias gastrointestinais, não eram esperados, de acordo com estudos anteriores como o AIM-HIGH, e podem ser associados com o laropipranto ao invés da niacina em si. Além disso, vale ressaltar que neste ensaio, apesar de a niacina-laripopranto ser associada com um aumento substancial de concentrações de colesterol HDL, os níveis de colesterol HDL de base não eram substancialmente abaixo do limite normal (cerca de 44 mg/dL em cada grupo). Assim, a interpretação destes resultados é menos clara para os pacientes com níveis baixos ou muito baixos de colesterol HDL - a população à qual o tratamento com niacina é dirigido, principalmente.
Coletivamente, as evidências atuais não mostram nenhum benefício (através dos efeitos sobre as concentrações de HDL ou não) e mostram um aumento da taxa de eventos adversos com niacina de liberação prolongada nesta população de pacientes. A combinação niacina-laropipranto não foi aprovada pela Food and Drug Administration dos EUA, e teve sua autorização revogada pela Agência Europeia de Medicamentos com base nos resultados desse novo ensaio (EMA press release).
Para mais informações, veja o tópico Niacina no Dynamed.