Referência: JAMA Netw Open. 2023 Feb 1;6(2):e2254771
Conclusão prática: Parece haver uma curva em forma de U (ou, mais provavelmente, de J) para o uso do álcool e o risco de demência. Tudo com moderação?.
Pílula da MBE: Este estudo reporta os dados como razões de riscos (hazard ratios, ou HR), o que é uma escolha apropriada para relatar com que frequência os desfechos ocorrem em um grupo em comparação com outro ao longo do tempo.
Estatisticamente falando, há uma boa chance de você tenha se deliciado com um pouco de vinho e chocolates neste último 14 de fevereiro, dia de São Valentim. Mas o vinho vai ajudá-lo a lembrar deste dia? Ou ele é melhor para ajudá-lo a esquecer? As relações podem ser complicadas, incluindo a relação entre álcool e demência. Este relacionamento já foi descrito como tóxico, mas alguns podem enxergá-lo mais como um vínculo seguro.
O corpo de evidências sobre a relação entre álcool e demência é conflitante. Alguns estudos sugeriram que 1 a 2 bebidas por dia podem reduzir o risco de demência, enquanto outros relataram que é a abstinência que está associada ao menor risco. De toda forma, o beber pesado (> 4 bebidas por dia) é ruim, então vamos deixar isso de fora desta conversa. Parte do problema é que a maioria dos dados vem de estudos mais antigos que apenas associaram o status de consumo de álcool a desfechos em um momento determinado, quando todos sabemos que os hábitos relacionados a bebidas evoluem ao longo da vida com base em uma variedade de fatores externos e do desenvolvimento. E, também, os dados são todos observacionais. Os ensaios randomizados, que ofereceriam uma equivalência prognóstica altamente elogiada, não são uma opção. Além disso, surgiu uma escola de pensamento reconhecendo que um "abstêmio" de hoje pode ter passado um tempo considerável bebendo compulsivamente ou mesmo ter tido um problema de uso excessivo quando jovem, caso em que o dano já foi produzido, confundindo a interpretação do risco associado ao status de consumo "vigente".
Um estudo recente avaliou o impacto de mudanças seriadas no consumo de álcool em quase 4 milhões de adultos na Coreia do Sul, e sua análise chega perto, apesar de não encerrar a questão. Os autores separaram os "desistentes" dos "bebedores não sustentados" durante o acompanhamento de 6 anos, o que é uma boa jogada, exceto por eles ainda não distinguirem os ex-bebedores pesados que agora são não bebedores sustentados se essa mudança não tiver ocorrido durante o estudo. Usando razões de riscos, os autores também compararam o risco de demência naqueles que aumentaram o consumo durante o período do estudo, nos que reduziram o consumo, nos que mantiveram seu nível de consumo e naqueles que pararam ou começaram a beber durante o período do estudo. Essas análises geraram muitos dados, que quando reunidos criaram uma bela curva em forma de U (ou J) com um baixo limiar para o benefício do consumo de álcool para reduzir o risco de demência.
O senso comum pode ditar "tudo com moderação", mas ainda não sabemos se há um benefício para a saúde inerente ao álcool separadamente dos fatores de confusão que acompanham a bebida, a abstinência ou o abandono do hábito. Os próprios autores até afirmam: "É difícil tirar conclusões de nossos resultados sem entender completamente as razões socioeconômicas subjacentes às mudanças nos padrões de consumo ... estudos adicionais que apoiem a nossa conclusão são necessários antes da aplicação clínica desses achados". E a isso brindamos!
Para mais informações veja o tópico Riscos e benefícios do consumo de álcool na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed; Nicole Jensen, MD, médica de família da WholeHealth Medical; Vincent Lemaitre, PhD, autor médico sênior na DynaMed; e Sarah Hill, MSc, editora associada da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, professor do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.