Anticorpos monoclonais para a doença de Alzheimer: ouro de tolo

MBE em Foco - Volume 10, Issue 6

Referência: Ann Fam Med. 2024 Jan-Fev; 22(1):50-62 

Conclusão prática: Mesmo que a terapia com anticorpos monoclonais para a doença de Alzheimer fosse isenta de riscos e de custos (ela é arriscada e cara), os exercícios e inibidores de colinesterase têm mais benefícios cognitivos.

Pérola da MBE: Significância estatística ≠ valor clínico.

Os duendes e seus famosos potes de ouro de tolo fizeram a festa há poucas semanas com o Dia de São Patrício. Nesta semana estamos defendendo que, embora o tratamento com anticorpos monoclonais para a demência na doença de Alzheimer tenha o chamativo brilho da alta tecnologia, as opções atualmente disponíveis não são melhores do que o ouro imaginário encontrado em um pote no fim do arco-íris. Seja como for, os autores de uma meta-análise recente sobre o tratamento com anticorpos contra as placas amiloides na doença de Alzheimer certamente parecem pensar assim.

Esses autores reuniram 19 ECRs que compararam oito anticorpos monoclonais diferentes direcionados à substância amiloide cerebral com tratamentos placebo analisando benefícios e malefícios durante um período de pelo menos um ano. Eles encontraram dados de 23.202 pacientes e reuniram informações sobre várias métricas de benefícios, incluindo melhora no mini exame do estado mental (MEEM), bem como outras métricas de cognição, afeto e funcionalidade específicas para a demência. Eles também avaliaram danos como anormalidades de imagem relacionadas à substância amiloide (ARIA) com e sem edema, hemorragia ou resposta clínica. Destaca-se que apenas três dos estudos tiveram baixo risco de viés, sendo que outros quatro foram considerados de risco incerto e os 12 restantes foram considerados de alto risco, pois mais de 10% dos dados de desfechos estavam ausentes.

Para nossos fins enfocaremos o desfecho MEEM, principalmente por ser abrangente e de compreensão simples (escala de 0 a 30, com os escores mais altos indicando uma melhor cognição) e por ser provavelmente o instrumento mais reconhecido e utilizado para avaliar a cognição. O MEEM também é frequentemente usado em estudos de outras terapias para a demência na doença de Alzheimer. Por enquanto vamos ignorar outros desfechos, como o risco de danos e o custo da terapia (estimado em mais de US$ 26.000 anuais), para focar nos resultados do MEEM. O MEEM pode não ser um desfecho perfeitamente orientado ao paciente, mas certamente é mais relevante clinicamente do que ARIAs assintomáticas.

Vamos considerar outras terapias para a demência de Alzheimer. Sabemos que diferenças no estilo de vida, como exercícios e dieta, podem afetar a cognição e, de fato, uma meta-análise de 2018 constatou que inscrever pessoas com demência de Alzheimer em programas de exercícios aumentou o desempenho no MEEM em 2,53 pontos (IC de 95%: 0,84-4,22 pontos). Uma diferença de pelo menos 1 ponto no MEEM é geralmente aceita como a diferença clinicamente importante mínima (MCID), definida como uma diferença perceptível pelo paciente ou cuidador. Em outras palavras, o pequeno benefício dos exercícios é provavelmente perceptível em comparação com o não exercício. E os inibidores da colinesterase? Dependendo de qual você escolher, eles melhoram o MEEM entre 1,39 e 2,5 pontos. Novamente, não é uma grande diferença, mas também não é de se jogar fora. Por fim, e que tal a terapia com anticorpos monoclonais? De acordo com esta metanálise, a melhora na pontuação do MEEM foi, em média, de 0,32 pontos (IC de 95%: 0,13 ponto a 0,5 ponto).

Para este estudo em particular, atinge-se significância estatística porque o 0,13 na extremidade inferior do intervalo de confiança é maior que zero. Mas observe que o limite superior do possível benefício não está nem perto de 1 ponto, que é a MCID, enquanto o limite inferior do IC de 95% tanto para o exercício quanto para os inibidores da colinesterase foi superior a 1 ponto. Para ser explícito: se este estudo fosse repetido 100 vezes, os anticorpos monoclonais seriam melhores do que o placebo em 95% das vezes, sendo, portanto, estatisticamente impactantes. No entanto, também em 95% das vezes ninguém que recebesse terapia com anticorpos monoclonais notaria uma melhora e, portanto, eles são clinicamente inúteis. Vale a pena repetir isso porque não é achismo: temos mais de 95% de certeza de que não haverá um benefício significativo em nenhum paciente, pelo menos nessas circunstâncias.

O que pensamos? Achamos que a doença de Alzheimer é uma doença terrível e precisa haver muitos estudos analisando o que podemos fazer para retardar seu início ou progressão. Também achamos que talvez a FDA tenha queimado a largada ao aprovar qualquer uma dessas terapias monoclonais sem seguir sua própria regra de exigir um MCID para as aprovações. Talvez se possa argumentar que a natureza aterrorizante da doença de Alzheimer em uma população de baby-boomers que está envelhecendo justifica tratá-la como uma emergência de saúde pública. No entanto, fora dos protocolos de pesquisa, não parece haver justificativa ética ou da MBE para o uso de qualquer um desses medicamentos neste momento.

Para mais informações veja o tópico Doença de Alzheimer na DynaMed.

Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed

Este MBE em Foco foi escrito por Dan Randall, MD, MPH, FACP, editor adjunto da DynaMed. Editado por Alan Ehrlich, MD, FAAFP, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora-adjunta sênior da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia; Nicole Jensen, MD, médica de família na WholeHealth Medical; Vincent Lemaitre, PhD, editor médico da DynaMed; Hannah Ekeh, MA, editora associada sênior da DynaMed; e Jennifer Wallace, BA, editora associada sênior da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, docente do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.