Referência: BMJ. 2023 Feb 1;380:e072415
Conclusão prática: As evidências mais atuais para o tratamento da dor crônica favorecem os IRSNs, mas a influência da indústria farmacêutica pode estar distorcendo os dados.
Pílula da MBE: Os estudos “guarda-chuva” são uma nova forma de revisão: a revisão sistemática de revisões sistemáticas sem meta-análise permite uma visão panorâmica dos assuntos, mas às custas de menos escrutínio e mais heterogeneidade (o que equivale a mais viés potencial).
As revisões guarda-chuva são, como dizem os jovens, um "conceito em evolução". Se você não tem certeza do que é uma revisão guarda-chuva, você não está sozinho -demorou um pouco para a comunidade das evidências resolver isso também. Quatorze anos atrás um artigo acadêmico as descreveu como semelhantes ao que hoje chamaríamos de "meta-análise em rede". (Para os não-geeks: uma meta-análise combina dados de vários ensaios randomizados semelhantes para responder a uma pergunta específica, como por exemplo: "como a amitriptilina se compara a um placebo no tratamento da dor neuropática?" Uma meta-análise em rede compara várias opções de tratamento diferentes, como amitriptilina, nortriptilina ou ISRSs, muitas vezes usando a propriedade transitiva de que "se A é melhor que B e B é melhor que C, A também deve ser melhor do que C").
Nossa compreensão atual da diferença entre uma meta-análise em rede e uma revisão guarda-chuva é a de que, embora as revisões guarda-chuva sejam revisões sistemáticas de outras revisões sistemáticas, não necessariamente se realiza uma meta-análise separada. As revisões guarda-chuva podem incluir meta-análises, meta-análises em rede ou apenas revisões qualitativas. Elas agrupam dados por população, intervenção ou ambas, mas não necessariamente reanalisam os dados. Elas nos permitem enxergar tendências gerais no conjunto focalizado dos resultados encontrados pelas revisões sistemáticas individuais. A principal desvantagem de uma revisão abrangente é o risco adicional de viés que surge com o agrupamento de dados de maneiras potencialmente heterogêneas. E, como em qualquer revisão, a validade das revisões guarda-chuva é limitada pela qualidade dos dados analisados. Mais recentemente as revisões guarda-chuva passaram a ser consideradas para analisar uma variedade mais ampla de questões na área da saúde (não apenas intervenções medicamentosas, mas estudos observacionais e terapias como exercícios).
Em janeiro, o BMJ publicou uma revisão guarda-chuva sobre antidepressivos para o tratamento da dor crônica. A este ponto está bem claro que a dor crônica e a depressão frequentemente estão interligadas. Em sua introdução os revisores apontam que os antidepressivos às vezes são mais frequentemente prescritos para a dor crônica do que para a depressão! Eles seguiram as diretrizes "PRIOR", usando métodos sistemáticos de busca e relato para se concentrarem nos artigos de maior qualidade, meta-análises e meta-análises em rede e, em seguida, avaliá-los também de maneira sistemática, incluindo a busca de vieses. Eles reuniram dados de 156 ensaios que envolveram mais de 25.000 pessoas com dor crônica de etiologias variadas tratadas com vários medicamentos antidepressivos (tricíclicos, ISRSs, IRSNs e até mesmo um IRDN – inibidor da recaptação de dopamina e noradrenalina).
Sua conclusão foi a seguinte: há poucas evidências de alta qualidade que apoiam o tratamento da dor crônica com antidepressivos, e as informações que existem favorecem a classe dos medicamentos IRSNs. Esta revisão guarda-chuva de pesquisas publicadas nos últimos dez anos sobre o tratamento da dor crônica com antidepressivos nos permite enxergar uma tendência que poderíamos não ter observado de outra forma. Dependendo de como você olha para os estudos, até três quartos das pesquisas recentes sobre depressão e dor crônica têm fortes laços com a indústria. É de se admirar que tenhamos toneladas de dados recentes sobre os (relativamente novos e caros) ISRNs em comparação com os (antigos e genéricos) antidepressivos tricíclicos? Os dados mais recentes parecem implicar que um determinado grupo de fármacos é melhor, mas também é verdade que a maior parte do financiamento até agora parece ser direcionada a esta classe de drogas. Atualidade e volume de dados são importantes, mas não são os únicos parâmetros de qualidade.
Para mais informações veja o tópico Tratamento da dor crônica na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia; Nicole Jensen, MD, médica de família na WholeHealth Medical; Vincent Lemaitre, PhD, autor médico sênior na DynaMed; e Sarah Hill, MSc, editora associada da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, docente do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.