Reference: N Engl J Med. 2021 Jul 21
O surgimento da cepa delta do SARS-CoV-2 (que causa a COVID-19) no início deste ano não foi uma surpresa, e resultou em um aumento adicional na morbidade e na mortalidade em todo o mundo. Estudos indicam uma alta eficácia de muitas vacinas projetadas para a cepa alfa anteriormente dominante, mas ainda não temos a história completa da variante delta. Pesquisadores ingleses publicaram recentemente um estudo observacional usando um desenho de caso-controle com testes negativos para estimar a eficácia das vacinas da Pfizer e da AstraZeneca contra a cepa delta em comparação com a cepa alfa. Estudos de caso-controle com testes negativos têm sido popularizados nos últimos 10 anos como uma forma de estudar a eficácia dos diferentes tipos de vacinas pneumocócicas e contra influenza. Este método analisa grupos que apresentam sintomas semelhantes e compara aqueles que têm um teste positivo para a cepa em questão com aqueles que têm testes negativos (mas podem ter outra cepa da mesma doença). Neste estudo em particular, os autores compararam pessoas com sintomas de COVID e infecção por delta confirmada (“casos”) e duas populações de controles sintomáticos separadas: pessoas com testes negativos e pessoas com a variante alfa.
Pacientes ingleses com sintomas compatíveis com COVID foram recrutados durante um período de 7 semanas, incluindo uma mistura de pessoas que não foram vacinadas, pessoas parcialmente vacinadas e pessoas totalmente vacinadas com uma vacina à base de mRNA (Pfizer) ou uma vacina com vetor de adenovírus (AstraZeneca). Mais de 100.000 pacientes-controles que tiveram testes negativos foram incluídos juntamente com 19.109 pacientes que tiveram testes positivos para COVID com sequenciamento genético confirmando a presença das variantes alfa ou delta. Uma análise semana a semana do status dos testes em uma das tabelas nos permite observar a porcentagem de casos de COVID causados pela variante delta crescendo de 0,5% na primeira semana para até 63% na 7ª semana do estudo. Após apenas uma dose da vacina, a eficácia ajustada foi de apenas 48% contra a variante alfa e 36% contra a variante delta para a vacina da Pfizer, e 49% e 30%, respectivamente, para a da AstraZeneca. A eficácia melhorou significativamente após a segunda dose para a da Pfizer (94% contra a alfa e 88% contra a delta, ajustadas) e um pouco menos para a da AstraZeneca (75% contra a alfa e 67% contra a delta). Os resultados foram semelhantes em uma análise secundária que estimou a eficácia da vacina contra a delta alinhando a proporção de casos de delta com o status de vacinação, método que se baseia no pressuposto de que, se as vacinas fossem menos eficazes contra a delta, as cepas delta comporiam uma porcentagem maior dos casos.
Entrar no detalhe da eficácia relativa das vacinas é fascinante e tem implicações importantes sobre as políticas mas, como este é o MBE em Foco, gostaríamos de discutir as potenciais implicações do viés do colisor, um tipo de viés de seleção que ocorre nos estudos observacionais. O viés do colisor é representado visualmente por variáveis colidindo e mudando a trajetória linear para um desfecho. Em um exemplo hipotético deste estudo, contrair a variante delta (mais comum com viagens ao exterior) e obter a vacina da Pfizer (mais comum em profissionais de saúde) podem refletir populações com características diferentes da população em geral; quando esses dois fatores ocorrem juntos, a eficácia da vacina também pode ser diferente da que se verifica se nenhum ou somente um desses fatores de risco está presente. Neste estudo observacional restrito a pessoas sintomáticas, o status vacinal e a variante do vírus podem “colidir” com o desfecho daqueles que procuram atendimento médico para sintomas, distorcendo as estimativas de eficácia das vacinas. Quando presente, o viés do colisor limita a capacidade de um estudo de responder a perguntas sobre a população como um todo (a qual inclui os pacientes assintomáticos e aqueles que têm sintomas, mas não procuram atendimento médico), e é uma limitação do elegante método de caso-controle com testes negativos.
Para obter mais informações, consulte o tópico COVID-19 (Novo Coronavírus) na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da Dynamed
Este MBE em Foco foi escrito por Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Carina Brown, MD, professora assistente na residência de Medicina da Família da Cone Health; Katharine DeGeorge, MD, MS, professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia e editora clínica da DynaMed; Nicole Jensen, MD, médica de família da WholeHealth Medical; Tanya Tupper, RT(N), CNMT, PET, autora médica sênior da DynaMed, Vincent Lemaitre, PhD, autora médica da DynaMed, e Christine Fessenden, assistente de operações editoriais da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MS, professor do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.