Referência: BMJ. 2022 Feb 2;376:e067194
O suicídio é a 10ª principal causa de morte nos EUA, mas o tratamento baseado em evidências para as crises suicidas é limitado e inadequado. Fora o monitoramento da segurança, as intervenções como psicoterapia e medicamentos geralmente levam semanas para se tornarem efetivas. A cetamina, um agente dissociativo tipicamente usado como anestésico (e seu enantiômero escetamina) recentemente ganhou atenção por seu papel no manejo da depressão resistente a tratamento. Há até algumas evidências agora para apoiar o uso de cetamina para a ideação suicida aguda, mas os dados foram contaminados pela metodologia ruim. Um estudo recente publicado no BMJ procurou examinar os efeitos imediatos da cetamina intravenosa sobre a ideação suicida.
Pesquisadores franceses randomizaram 156 adultos voluntariamente admitidos a um hospital com ideação suicida para receberem infusão de cetamina a 0,5 mg/kg por via intravenosa ou infusão de soro fisiológico normal na linha basal e a 24 horas. A idade mediana dos pacientes foi de 40 anos, 68% eram do sexo feminino e o seguimento durou 6 semanas. Ambos os grupos receberam a assistência habitualmente envolvida nas internações psiquiátricas (medicação, terapia individual, psicoterapia em grupos e reuniões familiares). Os participantes foram estratificados em 3 categorias diagnósticas - transtorno depressivo maior (TDM), transtorno bipolar ou outro transtorno psiquiátrico, como distimia, TEPT, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de pânico e agorafobia. Os critérios de exclusão incluíram dependência de substâncias vigente, histórico de esquizofrenia ou histórico de outro transtorno psicótico. O desfecho primário foi a remissão da ideação suicida (IS), definida como pontuação ≤ 3 pontos na Escala de Beck para ideação suicida, versão avaliada por médicos (faixa de 0 a 38 pontos).
No dia 3, mais pessoas que inicialmente tinham IS estavam em remissão no grupo de cetamina em comparação com o grupo do placebo (63% vs. 31,6%, p < 0,001). As taxas de remissão diferiram quando estratificadas pelos diagnósticos, e foram maiores nos adultos com transtorno bipolar (84,6% vs. 28%, p < 0,001). As taxas de remissão da IS também foram mais elevadas no grupo da cetamina, mas não foram significativas para aqueles com TDM (42,3% vs. 35,7%, p = 0,6) ou com outros transtornos (61,9% vs. 30,8%, p = 0,07). Os efeitos colaterais gerais da cetamina não foram graves e incluíram sedação (11%), despersonalização (9,6%), náuseas (6,8%) e tonturas (4,1%). Ao longo do estudo, seis pacientes (8,2%) do braço da cetamina e oito pacientes (9,8%) do braço do placebo tentaram suicídio. Infelizmente, um paciente morreu por suicídio no braço da cetamina. A 6 semanas não foi encontrada diferença significativa nas taxas de remissão da IS comparando a cetamina vs. placebo (69,5% vs. 56,3%, p = 0,7).
Esses resultados podem parecer animadores - um tratamento para ideação suicida que age de forma rápida e eficaz com um baixo risco de efeitos adversos. Mas poderia ser bom demais para ser verdade? O estudo é descrito como duplo-cego, mas os pacientes podem ter sido capazes de determinar o grupo a que foram atribuídos com base em suas experiências subjetivas após a infusão. Da mesma forma, os avaliadores podem ter inferido as atribuições aos grupos devido a sedação ou despersonalização do paciente após a infusão. Do ponto de vista da MBE, sabemos que a falta de cegamento superestima sistematicamente o benefício. Um controle alternativo, como o midazolam, que tem sido usado em outros estudos da cetamina, poderia ter oferecido melhor cegamento tanto para os participantes quanto para os avaliadores dos desfechos. Embora a cetamina tenha parecido ter algum efeito sobre a ideação suicida, isso não se traduziu em menos tentativas de suicídio. Os autores observaram que os pacientes do grupo da intervenção que tentaram suicídio eram maus respondentes à cetamina no dia 3 com base nos escores de IS, um achado que merece maior escrutínio. Em suma, esses resultados do estudo apoiam outro uso potencial para a cetamina nos transtornos de saúde mental, e justificam um ensaio maior projetado para avaliar os efeitos da cetamina sobre as tentativas de suicídio como desfecho primário.
Para mais informações, veja o tópico Ideação e Comportamento Suicida na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Nicole Jensen, MD, médica de família da WholeHealth Medical. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia; Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed; Carina Brown, MD, professora assistente na residência de Medicina da Família da Cone Health; Vincent Lemaitre, PhD, autor médico sênior na DynaMed; e Sarah Hill, MSc, editora associada da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, professor do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.