Referência: Diabetes Care. 2024 Mar 1;47(3):467-470 e Front Cardiovasc Med. 2023 Oct 6:10:1244529
Conclusão prática: A colchicina é útil para a prevenção secundária da DCV, e achamos que ela deve encontrar seu rumo em direção a se tornar um tratamento padrão. A AHA também acha.
Pérola da MBE: Quando se demonstram benefícios em ensaios grandes, observe os efeitos nos subgrupos notáveis em vez de assumir que o benefício é distribuído uniformemente entre todos os participantes.
A inflamação desempenha um papel fundamental na doença cardiovascular desde o desenvolvimento das placas até sua ruptura que causa um infarto do miocárdio. A elevação da PCR, um biomarcador de inflamação, está associada a um maior risco cardiovascular. Além disso, acredita-se que os efeitos anti-inflamatórios das estatinas sejam uma das razões pelas quais elas são efetivas na prevenção das doenças cardiovasculares. Nessa linha, em 2023, a AHA recomendou considerar a colchicina para a prevenção secundária da doença cardiovascular devido aos seus benefícios anti-inflamatórios. Por algum motivo, estamos ouvindo sobre isso somente agora, e nos perguntamos que evidências eles tinham para apoiar esta recomendação. Acontece que ela foi influenciada pelos resultados de dois ensaios: o COLCOT e o LODOCO2.
O estudo COLCOT randomizou 4745 pacientes dentro de 30 dias após um infarto do miocárdio para receberem colchicina a 0,5 mg por dia ou placebo. Ambos os grupos receberam os cuidados padrão. O seguimento mediano foi de 22,6 meses. O desfecho primário foi um composto de morte cardiovascular, parada cardíaca ressuscitada, IAM, acidente vascular cerebral ou hospitalização urgente por angina com necessidade de revascularização coronariana. Ele ocorreu em 5,5% dos pacientes no grupo da colchicina, em comparação com 7,1% no grupo do placebo (HR de 0,77; intervalo de confiança [IC] de 95%: 0,61-0,96; P = 0,02). O ensaio subsequente LODOCO2, que teve mais de 5.000 participantes com doença cardiovascular crônica, mostrou que a adição de colchicina à assistência habitual diminuiu de forma semelhante os eventos cardiovasculares, com um NNT de 36. Não houve diferenças nos danos entre os grupos em nenhum dos dois ensaios.
Como os pacientes com diabetes são conhecidos por estarem em maior risco de eventos cardiovasculares primários e secundários, uma das principais questões foi até que ponto esses resultados se aplicam aos pacientes com diabetes. Recentemente foram publicadas análises de subgrupos de cada ensaio que consistiram dos pacientes que tinham diabetes tipo 2 no momento da randomização. O estudo COLCOT incluiu 959 pacientes com diabetes do tipo 2 e descobriu que o desfecho primário ocorreu em 8,7% dos pacientes no grupo da colchicina e em 13,1% daqueles no grupo do placebo (HR de 0,65; IC de 95%: 0,44-0,96; P = 0,03). Uma análise de subgrupos do estudo LODOCO2, com 1007 pacientes com diabetes tipo 2 no início do estudo, encontrou resultados consistentes com a coorte maior do LODOCO2, mas para esse subgrupo a diferença não foi estatisticamente significativa (HR de 0,87, IC de 95%: 0,61-1,25).
Se voltarmos aos resultados primários (compostos) do LODOCO2, um NNT de 36 para prevenir um evento secundário adicional ao longo de 2,5 anos é bastante impressionante, e está no mesmo nível do NNT das estatinas para a prevenção secundária ao longo de 5 anos. E embora as análises de subgrupos com foco nos pacientes com diabetes sejam úteis para responder à pergunta importantíssima "esses resultados se aplicam ao meu paciente?", os resultados nos deixam conjecturando sobre se o impacto da colchicina é realmente maior ou menor nos pacientes com diabetes. Se extrapolarmos, a magnitude da redução a partir da análise de subgrupos do estudo COLCOT sugere um NNT menor que 25, o que é ainda mais clinicamente significativo. No entanto, se combinarmos esses dados com os resultados não significativos do subgrupo do LODOCO2, é difícil saber o quão grande é a magnitude do benefício nos pacientes com diabetes. Independentemente disso, o efeito global da colchicina na prevenção secundária parece importante. Uma coisa que é ainda mais certa é que leva muito tempo para que as evidências cheguem à prática clínica: os ensaios COLCOT e LOCOCO2 foram publicados em 2019 e 2020, respectivamente; a AHA/ACC atualizou suas orientações em 2023. E, no entanto, quase ninguém (na atenção primária) ouviu falar disso. Esperemos que a colchicina se torne parte da assistência habitual para a prevenção secundária mais rapidamente que o intervalo de tempo relatado de 17 anos para que as evidências cheguem à prática clínica. A propósito, notamos que a dosagem da colchicina foi incomum para o mercado dos EUA - 0,5mg contra o padrão de 0,6mg. Apesar do que os fabricantes de colchicina sem dúvida lhe dirão, não achamos que isso tem qualquer importância.
Para mais informações veja o tópico Prevenção secundária da doença arterial coronariana na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Alan Ehrlich, MD, FAAFP, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts. Editado por Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora-adjunta sênior da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia; Dan Randall, MD, MPH, FACP, editor adjunto da DynaMed; Nicole Jensen, MD, médica de família na WholeHealth Medical; Vincent Lemaitre, PhD, editor médico da DynaMed; Hannah Ekeh, MA, editora associada sênior da DynaMed; e Jennifer Wallace, BA, editora associada sênior da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, docente do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.