Referência: JAMA Intern Med. 2018 Dec 1;178(12):1597-1606
Apesar de as mortes relacionadas à COVID-19 estarem no centro das atenções, o câncer ainda é uma das principais causas de morte em todas as idades e contextos. Muitas pessoas se voltaram aos alimentos orgânicos para limitar sua exposição a componentes como pesticidas e toxinas ambientais consideradas associadas a aumentos no risco de câncer, assumindo que limitar essa exposição reduziria o seu risco. Até o momento o consumo de alimentos orgânicos não foi vinculado de maneira direta a uma redução no risco de câncer. Então, em uma época em que há muito desemprego e aperto de cintos, pagar mais caro por alimentos orgânicos oferece algum benefício mensurável?
Pesquisadores na França conduziram um estudo de coorte prospectivo baseado na internet para examinar a associação entre consumo de alimentos orgânicos e risco de câncer. Um total de 68.946 participantes (idade média de 44 anos, 78% do sexo feminino) foram recrutados entre maio de 2009 e novembro de 2016. A quantidade de alimentos orgânicos consumidos foi quantificada como uma pontuação de alimentação orgânica. Os pesquisadores identificaram 1340 casos de câncer durante o período de estudo (câncer de mama em 34,3%, câncer de próstata em 13,4%, câncer de pele em 10,1%, câncer colorretal em 7,4%, linfoma não-Hodgkin em 3,5% e outros linfomas em 1,1%). Comparando-se os participantes do quartil mais alto na pontuação de alimentação orgânica com aqueles do quartil mais baixo, o alto consumo de alimentos orgânicos foi associado a uma redução no risco global de câncer (razão de dano ajustada de 0,75; IC de 95%: 0,63-0,88), com uma redução de risco absoluta de 0,6%.
Muitas falhas limitam a generalização desses achados. Em primeiro lugar, o estudo examina os padrões dietéticos e de consumo de orgânicos basais e assume que eles permanecem estáveis ao longo do período de acompanhamento. Ele também não estratifica a análise por tipos de produtos e extensão da exposição a pesticidas associada a eles, e não testa para níveis de pesticidas em amostras de urina. Além disso é difícil controlar o efeito “de coquetel” desses componentes, o que pode potencializar o risco imposto por cada componente individualmente. Além disso, com um acompanhamento mediano de 4 anos, o estudo não leva em conta um período vitalício de exposições a esses químicos, o que é uma limitação significativa, dado que o câncer pode resultar de exposições ambientais cumulativas e levar décadas para se desenvolver. Por outro lado, a quantidade de pesticidas usados na agricultura que acaba efetivamente sendo ingerida pode ser insuficiente para causar doenças significativas. E não descartemos o efeito da adesão, pelo qual pessoas que aderem a recomendações de saúde têm maior probabilidade de terem melhores desfechos independentemente da natureza da intervenção. Os pacientes que se alimentam primariamente de alimentos orgânicos podem ter maior probabilidade de desenvolverem outros comportamentos saudáveis que confundem os resultados (efeito do usuário saudável) e podem ter maior probabilidade de enaltecerem os benefícios desses hábitos por razões filosóficas. Dados os potenciais vieses na metodologia deste estudo, aqueles que quiserem deixar seus carrinhos de compras abertos a itens não orgânicos devem fazê-lo até que dados melhores estejam disponíveis.
Para mais informações, veja o tópico Saúde Preventiva em Adultos na DynaMed.
Equipe editorial do DynaMed MBE em Foco
Este MBE em Foco foi escrito por April Kavanagh, MD, MPH, fellow em desenvolvimento docente e instrutora clínica de Medicina de Família na Universidade da Virginia. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts, Dan Randall, MD, editor adjunto para Medicina Interna da DynaMed, e Katharine DeGeorge, MD, MS, professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virginia e editora clínica da DynaMed.