De quilos a copos: será que os agonistas do GLP-1 também podem reduzir o uso do álcool?

MBE em Foco - Volume 12, Issue 3

Referência: JAMA Psychiatry. 2025 Fev 12 early online

Conclusão prática: A semaglutida foi relatada como tendo reduzido de maneira significativa o uso de bebidas alcoólicas em um ensaio clínico randomizado (ECR) em adultos com transtornos relacionados ao uso de bebidas alcoólicas mas sem diabetes.

Pérola da MBE: Um ECR sem um controle crível leva a resultados menos críveis.

Para além do controle do diabetes e da perda de peso, já se observou que os agonistas do GLP-1 (GLP-1s) têm uma ampla variedade de efeitos aparentemente milagrosos sobre o comportamento, incluindo reduções em taxas de uso de cannabis e tabaco, bem como reduções em taxas de overdoses por opióides e suicídios. Mas um dos problemas com os estudos observacionais, é claro, são os fatores de confundimento. A droga está tendo um efeito direto ou as pessoas estão apenas emocionadas por perderem peso? Existe algo relacionado às náuseas induzidas pelos GLP-1s que está levando a essa mudança, ou é uma redução real nos comportamentos "impulsivos"? A relação entre GLP-1s e um menor comportamento impulsivo/aditivo deu um passo da associação para a causalidade com a publicação, no JAMA, de um estudo randomizado de fase 2 que estudou essa ligação em pessoas com IMC de 23 ou mais que faziam uso pesado de bebidas alcoólicas.

Os ensaios de fase 2 são geralmente menores e um pouco mais flexíveis em seus protocolos, e este estudo com 24 pacientes em cada braço e um placebo inativo é tanto pequeno quanto “solto”. Todos os participantes do estudo preenchiam os critérios para transtorno por uso de álcool e nenhum tinha diabetes. Metade dos participantes recebeu semaglutida em doses baixas (0,25 mg/semana por 4 semanas, seguidos de 0,5 mg/semana por mais 4 semanas), e a outra metade recebeu uma injeção de placebo por 9 semanas.

O não convencional, mas pragmático, desfecho primário do estudo foi rotulado como uma "autoadministração laboratorial de álcool" e consistiu em medir o autocontrole dos participantes, que haviam se abstido de álcool nas 24 horas anteriores (e aos quais se solicitou que não comessem por 4 horas). Nesse cenário, os participantes receberam comida e um suprimento ilimitado de sua bebida favorita, com uma pequena recompensa monetária se conseguissem segurar a vontade de beber por um tempo. Os participantes também mantiveram diários padrão que detalhavam a quantidade de álcool que consumiam por dia, bem como em quantos dias por semana bebiam.

Os resultados mostraram uma queda significativa e dependente da dose na quantidade de consumo pelo "teste da autoadministração laboratorial" de acompanhamento, juntamente com a compulsão alcoólica relatada no diário e o volume total de álcool bebido por semana, mas nenhuma redução no número total de dias de consumo por semana. Os desfechos secundários observados no grupo da semaglutida foram um menor número de cigarros fumados entre os cerca de 25% que fumavam e, claro, a perda de peso.

Há problemas com este estudo: o placebo foi uma espécie de piada (veja o próximo parágrafo), a amostra do estudo foi bastante pequena e composta apenas por participantes motivados a responderem a anúncios (aumentando a preocupação com o viés de adesão), e alguns participantes não beberam nada durante os testes de autoadministração e foram excluídos de partes da análise. Todas essas questões potencialmente distorcem os dados dos resultados em direção a um benefício maior do que poderíamos ver com o uso no mundo real. No entanto, se pensarmos nos ensaios de fase 2 como "provas de conceito", este estudo foi de um sucesso fabuloso.

Consideramos um ensaio clínico randomizado (ECR) como uma das evidências mais poderosas para demonstrar causalidade. A randomização, quando bem executada, identifica dois grupos que terão desfechos prognósticos semelhantes se não houver intervenção. O mascaramento dos controles é quase tão importante quanto a randomização. Se você tem um braço de intervenção em que é óbvio que um grupo está recebendo um tratamento e o outro não (como tivemos aqui - os pacientes com semaglutida tiveram taxas muito mais altas de perda de peso, náuseas, anorexia e outros efeitos colaterais leves que o grupo placebo) – este não é um controle cego de verdade. E se não houver um controle significativamente mascarado, os dados do estudo serão menos significativos. Apesar de uma afirmação um pouco indecorosa na seção de conclusão sobre como a semaglutida pode ser um tratamento para o álcool “sem estigma" e de um endosso do modelo de consumo controlado, os autores não afirmam o contrário. Vamos exercer algum controle dos impulsos e simplesmente dizer que, embora a semaglutida possa conter todos os tipos de comportamentos impulsivos, isso ainda não está comprovado.

Para mais informações veja o tópico Transtornos por uso de álcool na DynaMed.

Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed

Este MBE em Foco foi escrito por Dan Randall, MD, MPH, FACP, editor adjunto sênior da DynaMed. Editado por Alan Ehrlich, MD, FAAFP, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta sênior da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia; McKenzie Ferguson, PharmD, BCPS, redatora médica sênior da DynaMed; Rich Lamkin, MPH, MPAS, PA-C, redator médico da DynaMed; Matthew Lavoie, BA, revisor médico sênior da DynaMed; Hannah Ekeh, MA, editora associada sênior II da DynaMed; e Jennifer Wallace, BA, editora associada sênior da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, docente do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.