Desmascarando a COVID em Crianças

MBE em foco - Volume 8, Issue 2

​Talvez não seja uma boa ideia tocar no assunto das máscaras no seu próximo jantar festivo - ao qual você provavelmente nem deveria comparecer mesmo, para não pegar a Omicron. As máscaras podem ser um tema polarizador e politicamente carregado, e que só fica mais controverso quando inserimos crianças e obrigatoriedades de máscaras escolares na mistura. Considere esta edição especial do MBE em Foco uma atualização baseada estritamente

*principalmente* em evidências para entender o que é conhecido atualmente (e o que não é conhecido) sobre a COVID em crianças, especialmente no que se refere a mascaramentos. Sinta-se livre para usar essas informações para informar suas decisões políticas locais ou nacionais, ou como munição para sua próxima conversa com os vizinhos.

Mortalidade relacionada à COVID em crianças

Vamos começar com os números da mortalidade. O CDC reportou 529 mortes relacionadas à COVID em crianças de 0 a 17 anos nos EUA durante 2021, e 198 em 2020. Para comparação, 199 óbitos pediátricos foram formalmente atribuídos à influenza na temporada 2019-2020, com uma estimativa de 434 mortes reais relacionadas à influenza nesta temporada devido à subnotificação. Supondo que os dados de 2020 da COVID representem uma população pediátrica totalmente não vacinada, as taxas de óbitos relacionados à COVID em crianças não vacinadas parecem semelhantes às taxas de óbitos relacionados a influenza, que também ocorrem em uma população majoritariamente não vacinada ou medicamente vulnerável por diversos motivos. É notável que zero óbito e pouquíssimas Internações por COVID foram relatadas em crianças totalmente vacinadas em um estudo de 2021 em mais de 411.000 crianças no Reino Unido. Embora esses estudos não especifiquem as variantes da COVID, o tempo decorrido entre os estudos e os relatórios consistentes entre si sugerem que o risco de morte ou doença grave em crianças por qualquer variante conhecida da COVID é baixo, e é quase zero para aqueles que estão totalmente vacinados. No entanto, ainda teremos que esperar por dados consolidados sobre os desfechos em crianças (especialmente as não vacinadas) devido à Omicron antes que possamos ter certeza.

Mitigação com máscaras para reduzir a transmissão da COVID

A melhor evidência disponível hoje sobre a efetividade das máscaras em crianças é limitada e mista, e é improvável que tenhamos dados de alta qualidade no futuro a partir de um ensaio randomizado devido a preocupações éticas. Um relatório MMWR do CDC de 2020 que comparou a incidência (pré-vacinação) da COVID em escolas da Geórgia, onde as máscaras eram exigidas ou opcionais, encontrou uma incidência 37% menor nas escolas onde as máscaras eram exigidas, mas a análise de subgrupos mostrou que ela só foi significativa quando os professores e funcionários as usavam (não os estudantes), e a ventilação pareceu ser uma variável de confusão. Um relatório MMWR subsequente encontrou resultados semelhantes, mas menos robustos, em uma mistura de crianças vacinadas e não vacinadas. Ou seja, que a incidência da COVID foi menor nas escolas onde as máscaras eram necessárias. Outro estudo de 2021 em escolas “K-12” no Arizona encontrou taxas mais altas de COVID nas escolas em que as máscaras eram opcionais versus aquelas em que as máscaras eram obrigatórias, mas o estudo foi significativamente falho pela maneira como os surtos foram definidos (como apenas 2 casos ou mais em um período de duas semanas) e por falhas no controle das taxas de vacinação da comunidade. No entanto, três estudos (um em pré-impressão recente na FL, NY e MA; um em atletas do ensino médio de Wisconsin, e um em grupos de “bolhas” na Espanha) não encontraram associação significativa entre a ausência de máscaras e a COVID em crianças e adolescentes. Então, no geral, parece que o uso de máscaras nas escolas pode ajudar um pouco, mas provavelmente elas não fazem mal, não é? (Continue lendo. Essa pergunta é um gancho, não uma proclamação).

Primum non nocere

Uma metanálise de 2021 publicada no BMJ relatou as desvantagens psicossociais do uso das máscaras em adultos e crianças, encontrando evidências de baixa qualidade de aumento do medo e do estigma, perda da empatia percebida e dificuldade de comunicação. Em um ensaio de máscaras N95 em crianças foi notado desconforto sem evidência objetiva de redução no dióxido de carbono tidal final a esforços leves. Um pequeno estudo piloto em Londres fez com que 24 crianças avaliassem a usabilidade de máscaras descartáveis e de tecido e constatou que a única queixa delas foi sentir o rosto quente enquanto corriam. As crianças preferiram a máscara de pano de maneira consistente neste estudo.

Um caso de verdade, verdade e ausência de relação?

As taxas de depressão em adolescentes parecem estar aumentando. Um estudo realizado com cerca de 60.000 crianças de 13 a 18 anos na Islândia relatou que as taxas de altos escores de sintomas depressivos foram significativamente maiores para meninos e meninas na comparação 2016 vs. 2018 vs. 2020. Quando se trata de suicídio, as taxas não estão aumentando entre as crianças ou os adolescentes de acordo com o relatório Vital Statistics mais recente. Sem qualquer evidência para apoiar isso, definitivamente não é seguro assumir que as máscaras estão associadas a um aumento das taxas de depressão (ou de suicídio, como relatado) entre crianças e adolescentes. A hipótese é uma coisa – gerar uma hipótese, afinal, é a base do método científico. Mas devemos manter uma distinção clara entre o que é relativamente certo e o que é desconhecido ou hipótese. Quando os dados são limitados, torna-se mais fácil as pessoas tirarem suas próprias conclusões. Devemos trabalhar para manter a integridade probatória e evitar borrar essas linhas mesmo (e especialmente) se fazê-lo apoia nossas próprias opiniões (viés de confirmação).

Acostume-se a conviver com a incerteza

Indo para o terceiro ano desta pandemia global, continuamos a tomar decisões não completamente informadas dia após dia. Então nos pedem para defender essas decisões frente a pessoas que podem questioná-las. É cansativo. Mas, no fim das contas, as melhores evidências disponíveis sugerem com boa certeza que os riscos de morte e de doença grave devidas à COVID em crianças não vacinadas é baixo, e que as vacinas tornam-nas raras. Os dados relativos a máscaras em crianças são menos certos, mas parecem demonstrar uma pequena magnitude do benefício, se houver, e pode ser ainda mais diminuto em uma população vacinada. Os dados sobre quaisquer prejuízos causados pelas máscaras são ainda mais limitados, mas isso não exclui a possibilidade de danos, dificultando tirar conclusões firmes neste momento. No início desta pandemia, uma frase frequentemente usada era “por um excesso de cautela (...)”, mas essa afirmação pode ir para os dois lados. A comunicação sobre recomendações deve ser feita com humildade, reconhecendo-se os limites das evidências existentes e confiando-se na opinião de especialistas onde elas não existirem.

Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed

Este MBE em Foco foi escrito por Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed; Carina Brown, MD, professora assistente na residência de Medicina da Família da Cone Health; Nicole Jensen, MD, médica de família da WholeHealth Medical; Vincent Lemaitre, PhD, autor médico sênior na DynaMed; e Sarah Hill, MSc, editora associada da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, professor do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.