Referência: JAMA. 2024 Mar 12;331 (10): 850-860
Conclusão prática: Não se esqueça de considerar os riscos da inação ao primeiro não causar o mal. O TDAH não tratado aumenta em duas vezes o risco de morte, e a medicação proporciona um benefício geral de mortalidade mensurável já a 2 anos após o início do tratamento.
Pérola da MBE: Quando os ensaios randomizados não são viáveis (muitas vezes devido a custos, tamanho ou considerações éticas), os pesquisadores podem usar a abordagem de emulação de ensaio alvo para evitar cometer erros de suposição que poderiam resultar em conclusões causais errôneas, as quais são uma das maiores fontes de viés nos estudos observacionais. Este processo de duas etapas envolve articular uma questão causal, projetando um ensaio hipotético ideal e, em seguida, emular cuidadosamente os componentes desse ensaio usando os dados observacionais disponíveis.
Sim, o TDAH é tanto superdiagnosticado quanto subdiagnosticado e, sim, os estimulantes têm potencial para abuso. Mas para as pessoas que realmente sofrem de hiperatividade, desatenção e impulsividade, o TDAH pode ser debilitante e até fatal. As pessoas com TDAH têm duas vezes mais chances de morrer prematuramente, principalmente devido a causas não naturais. Um estudo recente constatou que o início da medicação foi associado a uma redução significativa na mortalidade por todas as causas e, particularmente, na morte por causas não naturais entre pessoas com TDAH nos primeiros 2-5 anos após o início do tratamento.
Dados de registros de 148.578 pacientes de 6 a 64 anos (idade mediana de 17 anos, 59% homens) que viviam na Suécia com diagnóstico de TDAH, mas sem tratamento nos dezoito meses anteriores ao período do estudo, foram avaliados em coortes de início ou não início do tratamento. Todos os pacientes realizaram testes neuropsiquiátricos, os quais são necessários para o diagnóstico do TDAH na Suécia. 57% iniciaram o uso de algum medicamento (na maioria das vezes estimulante) durante o período do estudo. Os desfechos primários foram mortalidade por todas as causas e por causas específicas a 2 anos, com uma análise de sensibilidade estendendo os desfechos para 5 anos. A mortalidade específica por cada causa foi dividida em "não natural" (incluindo suicídio, envenenamento acidental, lesões acidentais e outras lesões externas) e "natural" (como um ataque cardíaco ou câncer). Notadamente, os autores desenharam um protocolo de um ensaio alvo e ajustaram para confundidores basais na tentativa de emular a randomização e reduzir o viés.
A 2 anos, 632 pessoas (0,43%) haviam morrido, e aos 5 anos 1.402 (0,94%) haviam morrido, sendo que 67% de todas as mortes ocorreram por causas não naturais. As taxas de incidência de mortalidade por todas as causas a 2 anos comparando os pacientes tratados versus os não tratados foram de 39 vs. 48 por 10.000 indivíduos (HR de 0,79, IC de 95%: 0,70-0,88). Além disso, as taxas de incidência de morte por causas não naturais a 2 anos foram de 26 vs. 33 por 10.000 indivíduos (HR de 0,75, IC de 95%: 0,66-0,86), mas não houve redução significativa nos óbitos por causas naturais. Quando os dados foram estendidos para 5 anos em uma análise de sensibilidade, a redução no risco de mortalidade por todas as causas foi menos pronunciada e deixou de ser significativa, mas a redução nas mortes por causas não naturais permaneceu significativamente reduzida (HR de 0,89, IC de 95%: 0,81-0,97). Análises de subgrupos estratificados por idade (6-24 e 25-64 anos) mostraram resultados semelhantes.
Muitas vezes nos preocupamos com os danos potenciais da prescrição de medicamentos estimulantes, particularmente o risco cardiovascular e o potencial para abuso ou desvio, mas podemos estar subestimando o risco de inação no que concerne a tratar o TDAH. O ato de fazer algo (prescrever medicação) naturalmente nos inclina mais a considerar os malefícios do que a inação, mas o risco de pressão alta ou mesmo de um ataque cardíaco em vinte anos é um ponto discutível para as pessoas com TDAH que morrem prematuramente. Portanto, embora estejamos considerando bravamente a mortalidade por todas as causas, devemos pensar também nos danos causados por todas as causas, o que inclui os danos pela ação, bem como pela inação. De acordo com este estudo, o equilíbrio parece estar claramente a favor do tratamento farmacológico para o TDAH.
Para mais informações veja o tópico Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) em adultos na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora-adjunta sênior da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia. Editado por Alan Ehrlich, MD, FAAFP, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Dan Randall, MD, MPH, FACP, editor adjunto da DynaMed; Nicole Jensen, MD, médica de família na WholeHealth Medical; Vincent Lemaitre, PhD, editor médico da DynaMed; Hannah Ekeh, MA, editora associada sênior da DynaMed; e Jennifer Wallace, BA, editora associada sênior da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, docente do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.