Referência: N Engl J Med. 2023 May 25;388(21):1931
Conclusão prática: A hidrocortisona em altas doses deve ser fortemente considerada como um complemento ao tratamento padrão para adultos com pneumonia grave adquirida na comunidade.
Pílula da MBE: Quase que infalivelmente, a "Tabela 1" dos estudos publicados contém uma infinidade de informações sobre quais tipos de pacientes podem se beneficiar de uma intervenção (validade externa), bem como sobre quaisquer diferenças basais importantes entre os grupos (validade interna).
Quando muitas pessoas se reunirem com familiares e amigos para as festas de fim de ano nas próximas semanas, é provável que alguns estarão gratos por um ente querido ter sobrevivido a uma estadia assustadora em uma UTI e estar presente para comemorar. Isso pode ser graças a altas doses de hidrocortisona.
Nos EUA, 1,5 milhão de pessoas são hospitalizadas por pneumonia adquirida na comunidade a cada ano, tornando-se essa a principal causa de morte por infecção. Um ensaio publicado recentemente no NEJM avaliou a adição de hidrocortisona intravenosa à assistência padrão para o tratamento de adultos internados em uma UTI na França com pneumonia grave. Os pesquisadores encontraram uma redução significativa (de 2 vezes) na mortalidade a 28 dias, entre melhorias em outros desfechos secundários. O ensaio foi habilmente desenhado, e executado com randomização e sigilo de alocação, controle apropriado e duplo cegamento. Devido à farmacodinâmica diferente dos glicocorticoides, os pacientes com choque séptico foram excluídos, assim como aqueles com pneumonia causada por influenza devido a preocupações com a segurança dos glicocorticoides neste cenário.
Um total de 800 adultos foram recrutados de 2015 a 2020. O recrutamento foi interrompido no início da pandemia de COVID, e uma segunda análise interina foi adiada para 2021, quando o ensaio foi interrompido devido ao benefício antes que os 1146 participantes planejados tivessem sido alcançados. Além de outros tratamentos apropriados, como antibióticos e cuidados de suporte, os pacientes foram randomizados para receberem placebo ou 200mg de hidrocortisona IV diariamente por 4 ou 7 dias, com base em critérios preestabelecidos que indicassem melhora clínica, seguidos por uma redução gradual para uma duração total do tratamento de 8 ou 14 dias. Cerca de 25% dos pacientes tinham DPOC comórbida, 25% tinham diabetes e cerca de 6% eram imunossuprimidos. Nenhum desses pacientes teve COVID (que se tenha sabido). Os pacientes estavam graves: quase metade necessitou de ventilação mecânica e cerca de 10% receberam vasopressores. O medicamento experimental foi iniciado dentro de 24 horas após o cumprimento de critérios de gravidade preestabelecidos, o que ocorreu em uma mediana de cerca de 15 dias após a admissão à UTI em ambos os grupos.
A 28 dias, a morte ocorreu em 6,2% (IC 3,9%-8,6%) dos pacientes do grupo da hidrocortisona e em 11,9% (IC 8,7%-15,1%) do grupo do placebo. A 90 dias, as mortalidades foram de 9,3% e 14,7%, respectivamente. Os pacientes do grupo da hidrocortisona também foram significativamente menos propensos a precisarem de vasopressores ou de ventilação mecânica se ainda não estivessem recebendo esses tratamentos no momento do recrutamento. Não houve diferenças significativas nos eventos adversos, incluindo infecções adquiridas na UTI e sangramentos gastrointestinais, embora os pacientes no grupo da hidrocortisona tenham sido mais propensos a receberem doses mais altas de insulina (mediana de 36 versus 21 unidades por dia).
Não é sempre que revisamos um ensaio que demonstra um benefício claro, que muda a prática e com pouquíssimas oportunidades de furos na metodologia. Estamos gratos por isso nesta semana. Também apreciamos o desenho cuidadoso deste estudo, que considerou estudos anteriores de outros glicocorticoides, incluindo a metilprednisolona, os quais não demonstraram um benefício tão claro, e optou por estudar um corticoide com um balanço diferente entre efeitos mineralocorticoides e glicocorticoides. Com base nas melhores evidências disponíveis, a hidrocortisona (especificamente) deve ser fortemente considerada para os pacientes com pneumonia grave, sem medo de que ela piore suas condições.
Para mais informações veja o tópico Pneumonia adquirida na comunidade em adultos na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta sênior da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed; Nicole Jensen, MD, Médica de Família da WholeHealth Medical; Vincent Lemaitre, PhD, editor médico da DynaMed; Elham Razmpoosh, PhD, pesquisadora em pós-doutorado na Universidade McMaster; Hannah Ekeh, MA, editora associada sênior da DynaMed; e Jennifer Wallace, BA, editora associada da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, docente do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.