Ivermectina para COVID-19: onze ensaios depois, benefício continua sem comprovação

MBE em foco - Volume 8, Issue 4

Referência: JAMA Intern Med. 2022 Feb 18 early online

Dois anos após o surgimento da COVID-19, pesquisadores já exploraram a eficácia de uma grande variedade de medicamentos redirecionados, incluindo antivirais, anti-inflamatórios e terapias antiparasitárias. Os corticoides tomaram a liderança inicial após a publicação do ensaio RECOVERY, mas a hidroxicloroquina e a ivermectina trouxeram controvérsias. Uma meta-análise de 10 ensaios anteriores de pacientes com COVID-19 leve ou moderada constatou que a ivermectina não reduziu a mortalidade por todas as causas ou o tempo de internação hospitalar.

Pesquisadores da Malásia realizaram um ensaio randomizado não cego comparando cinco dias de ivermectina associados à assistência padrão em comparação com os cuidados padrão, somente, para adultos ≥ 50 anos de idade com COVID-19 leve a moderada. Os participantes apresentaram pelo menos um fator de risco para doença grave. Os critérios de exclusão incluíram doença assintomática, > 7 dias desde o início dos sintomas, hipoxemia, gravidez ou uso recente de antivirais. Todos os participantes foram admitidos a um centro de quarentena para COVID-19 para um monitoramento mais estrito. Os pesquisadores recrutaram 500 participantes, dos quais 241 do grupo da ivermectina e 249 do grupo da assistência padrão foram incluídos em uma análise por intenção de tratar modificada. Os participantes apresentaram uma idade média de 62,5 anos, e a maioria apresentou hipertensão (75,3%) e/ou diabetes (53,5%). Mais da metade havia completado duas doses de vacina contra COVID-19. As terapias concomitantes administradas incluíram corticosteroides (27%), antibióticos (22%) e anticoagulação sistêmica (28,6% com a ivermectina versus 22,9% com a assistência padrão). O desfecho primário foi a proporção de participantes que necessitaram de oxigenoterapia para manter uma saturação de oxigênio ≥ 95%.

O desfecho primário foi semelhante entre os dois grupos, com 21,6% (52/241) do grupo da ivermectina necessitando de oxigênio em comparação com 17,3% (43/249) do grupo dos cuidados padrão (risco relativo [RR] de 1,25; IC de 95%: 0,87-1,80). Não houve diferença na taxa de necessidade de oxigênio à análise de subgrupos, incluindo do status vacinal. Ambos os grupos apresentaram taxas semelhantes de internação em unidades de terapia intensiva (2,5% vs. 3,2%, RR de 0,78; IC de 95%: 0,27-2,20), tempo médio de permanência hospitalar (7,7 vs. 7,3 dias) e mortalidade hospitalar por todas as causas a 28 dias (1,2% vs. 4,0%, RR de 0,31; IC de 95%: 0,09-1,11). A remissão completa dos sintomas até o dia 5 também foi semelhante em ambos os grupos. O grupo da ivermectina apresentou maiores taxas de eventos adversos (13,7% vs. 4,4%), impulsionadas principalmente pela diarreia.

Este estudo procurou responder se a ivermectina tem eficácia para a COVID-19 leve a moderada, mas pode, na verdade, levantar mais questões. Apesar da falta de significância estatística, o amplo intervalo de confiança para a mortalidade não exclui a possibilidade de benefício se o estudo for repetido. A escolha de usar 95% como limiar para suplementação de oxigênio é interessante, e pode superestimar o benefício, uma vez que um limiar mais baixo é mais frequentemente usado nos EUA. O sistema de saúde na Malásia é único sob outros aspectos, e muitos dos indivíduos admitidos para supervisão em quarentena neste estudo teriam sido tratados em casa em outros países. Se tratada em casa, a hipoxemia leve (o limiar mínimo para o desfecho primário) pode não ter sido detectada em muitos participantes, potencialmente alterando a conclusão. Também potencialmente confundindo os resultados está o fato de que a Malásia tem uma prevalência estimada de Strongyloides stercoralis de mais de 30%, uma infecção exacerbada pelos esteroides sistêmicos. Tem-se a hipótese de que os benefícios da ivermectina em uma população com COVID-19 e altas taxas de Strongyloides se dão, na verdade, por ela tratar os danos não intencionais da terapia corticosteroide em vez de um benefício pelo tratamento da COVID-19 em si. A falta de cegamento, além disso, embaça a detecção dos desfechos de interesse. À luz desses resultados e dos outros 10 ensaios anteriores, a magnitude do benefício da ivermectina para a COVID-19, se houver, é provavelmente pequena.

Para obter mais informações, consulte o tópico Tratamento da COVID-19 na DynaMed.

Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed

Este MBE em Foco foi escrito por Carina Brown, MD, professora assistente na residência de Medicina da Família da Cone Health. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Katharine DeGeorge, MD, MS, editora adjunta da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia; Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed; Nicole Jensen, MD, médica de família na WholeHealth Medical; Vincent Lemaitre, PhD, autor médico sênior da DynaMed; e Sarah Hill, MSc, editora associada da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, professor do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.