Referência: Cochrane Database Syst Rev. 2023 Jan 30;1(1):CD006207
Conclusão prática: De acordo com as mais recentes e melhores evidências disponíveis até o momento, o uso de máscaras cirúrgicas na comunidade não previne a COVID-19 ou doenças gripais. E as N-95 não parecem melhores que as máscaras cirúrgicas nos cenários de assistência à saúde.
Pílula da MBE: É da natureza humana buscar evidências que confirmem nosso ponto de vista, mas isso não o torna verdadeiro. Não é surpreendente que um benefício observado em relatos de casos ou estudos de coorte diminua ou desapareça em ensaios randomizados. À medida que removemos os erros sistemáticos e nos aproximamos melhor da verdade, a magnitude do efeito quase sempre diminui.
Outro dia eu me deparei com um meme que mostrava uma série de fotos do início de 2020 de pessoas usando coisas como galões de água em suas cabeças, sacolas plásticas em seus rostos e até absorventes íntimos presos com fita adesiva a seus narizes e bocas. O valor de entretenimento dessas fotos é baseado no ridículo de tudo isso, porque hoje sabemos o suficiente sobre a biofisiologia da disseminação viral por aerossóis e a mecânica desses vários dispositivos de proteção caseiros para termos tanta certeza de que eles não funcionarão que nunca nos preocuparíamos em testá-los. Mas as máscaras foram projetadas para evitar a propagação da doença, e pensamos que elas deveriam funcionar na prática, então as usamos acreditando que funcionariam.
Antes do mês passado, a melhor evidência que tínhamos sobre o uso de máscaras era uma revisão sistemática de 71 estudos observacionais e um único ECR que sugeria que tanto as máscaras cirúrgicas quanto as máscaras N-95 eram efetivas para prevenir a COVID-19 e doenças influenza-símiles. Mas eis que surge uma revisão sistemática e meta-análise de 78 ensaios clínicos randomizados do grupo Cochrane que conclui que não houve benefício em usar máscaras cirúrgicas na comunidade, e que as N-95 não são melhores que a máscaras cirúrgicas em serviços de saúde. Como explicamos esses resultados tão diferentes entre duas revisões sistemáticas, considerando que as revisões sistemáticas supostamente estão no topo da pirâmide das evidências? A resposta se resume aos vieses sistemáticos nos desenhos dos estudos. Uma revisão sistemática perfeitamente executada ainda só é tão boa quanto os dados analisados. Se entra lixo, sai lixo (ou, para os menos cínicos, se entram diamantes, saem diamantes).
Assim como nós, você provavelmente se pegou pensando: "mas como o uso de máscaras pode não impedir a propagação da COVID-19, mesmo que em pequena magnitude?". Nós também nos encontramos procurando falhas como heterogeneidades entre os ensaios incluídos e pouca adesão às máscaras como razões para desconfiar desses resultados mais recentes. No entanto, podemos estar sendo vítimas do viés de confirmação, que é a tendência a confiarmos mais em resultados que confirmem nossas crenças do que em resultados que não se encaixem no paradigma existente. Queremos acreditar que o uso de máscaras ajuda.
É aqui que entra a MBE, e exatamente por isso que precisamos das revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados de alta qualidade que avaliem intervenções que achamos que deveriam funcionar: para nos mostrar o que realmente funciona quando testado. Também temos que ressaltar o fenômeno estatístico em que a magnitude do efeito diminui à medida em que se "sobe" na pirâmide das evidências, reduzindo-se os vieses sistemáticos e aproximando-se melhor da verdade. Neste caso, a revisão Cochrane analisou evidências de maior qualidade do que a revisão sistemática de estudos observacionais anterior e, na ausência de quaisquer preocupações metodológicas sobre a revisão Cochrane, a Cochrane é inerentemente uma evidência de qualidade superior com resultados que são objetivamente mais confiáveis e mais próximos da verdade.
Mas também vamos abrir espaço para as nuances aqui. De muitas maneiras, o estudo das máscaras realmente se resume à eficácia da máscara em um nível individual versus a efetividade da máscara em um nível populacional. E enquanto a dolorosa verdade parece ser que o uso de máscaras cirúrgicas na comunidade pode ser tão efetivo quanto usar galões de água ou sacos plásticos sobre nossas cabeças, podemos interpretar os resultados da Cochrane de duas maneiras: ou 1) as máscaras não são efetivas, ou 2) as máscaras podem não ser usadas por tempo suficiente ou ajustadas o suficiente por um número suficiente de pessoas para que funcionem corretamente o tempo todo e, portanto, elas não têm efetividade. Queremos acreditar que a verdade é a número 2, mas seria isso apenas o nosso viés de confirmação em atividade?
Em suma, o que temos é uma evidência confiável de que as máscaras não fazem diferença na disseminação comunitária do COVID no mundo real, mas nenhuma evidência definitiva de que um uso perfeito de máscaras na comunidade o tempo todo não funcione, porque isso não foi estudado. Mas, no final das contas, meu filho está usando uma máscara em um espetáculo musical de que participa na escola, e esta obstinada pela MBE não o está desestimulando.
Para mais informações veja o tópico Influenza em adultos na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed; Nicole Jensen, MD, médica de família na WholeHealth Medical; Vincent Lemaitre, PhD, autor médico sênior na DynaMed; Elham Razmpoosh, PhD, pesquisadora em pós-doutorado na McMaster University; e Sarah Hill, MSc, editora associada da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, professor do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.