Montando o quebra-cabeças do autismo: ainda faltam as peças dos cantos

MBE em foco - Volume 7, Issue 10

Reference: JAMA Pediatr. 12 de outubro de 2020

Embora a etiologia dos transtornos do espectro autista (TEA) seja reconhecida como multifatorial, e pelo menos parcialmente mediada pela genética, recentemente tem havido publicações controversas que relatam uma associação entre exposição a anestesia geral durante cesarianas e autismo. Em outubro de 2020 um grupo da Kaiser Permanente, na Califórnia, relatou uma associação entre analgesia epidural no trabalho de parto e desenvolvimento de TEA em uma análise retrospectiva de uma coorte de quase 150.000 bebês nascidos entre 2008 e 2015. O parto vaginal com analgesia epidural é o método mais comum de parto em muitos países desenvolvidos.

Os autores usaram a revisão de registros médicos para avaliar os bebês nascidos por via vaginal no sistema Kaiser e os acompanharam até a infância, coletando informações de códigos sobre uso e duração de analgesia peridural, juntamente com códigos para TEA nos primeiros anos de vida das crianças. Os autores determinaram que as mães que receberam a analgesia tenderam a ter maior renda e escolaridade, foram mais propensas a serem brancas e deram à luz bebês ligeiramente maiores e gestacionalmente mais maduros, que foram mais propensos a serem diagnosticados com uma anormalidade congênita. Após o uso da análise de regressão de Cox para ajuste para fatores de confusão como idade, tabagismo, anomalias congênitas e uma série de outros, houve uma associação entre exposição a analgesia epidural e TEA (razão de risco ajustada versus a não exposição [HR] de 1,37, IC de 95% 1,23-1,53). Na verdade, eles encontraram um gradiente biológico em que quanto mais tempo a mãe foi exposta à analgesia epidural, maior o risco de TEA, tendo < 4 horas correspondido a um risco absoluto de 1,6% e uma HR ajustada de 1,33, 4-8 horas a um risco absoluto de 1,8% e uma HR ajustada de 1,35, e > 8 horas a um risco absoluto de 2,2% e uma HR ajustada de 1,46.

O estudo tem limitações. Há muitos potenciais confundidores aqui, e uma coisa de que podemos ter certeza é que eles não foram todos aferidos. Por exemplo, existe uma grande variedade de razões pelas quais a analgesia epidural é escolhida para o controle da dor no trabalho de parto, e os autores não relatam dados sobre curso perinatal ou duração do trabalho. Um trabalho de parto mais difícil pode estar associado tanto à maior necessidade de analgesia epidural quanto a desfechos perinatais e do desenvolvimento adversos.

Os autores do estudo afirmam que “nossos achados levantam a preocupação de que [mesmo] uma curta duração da exposição à LEA possa estar associada a distúrbios do neurodesenvolvimento em longo prazo”. Organizações de especialistas têm sido rápidas em apontar que associação não significa causalidade. Dadas as limitações desta análise, essa associação fraca deve ser considerada geradora de hipóteses em vez de mudanças práticas. Um fator de confusão não medido pode estar aumentando simultaneamente tanto o risco de TEA quanto de necessidade de LEA; nesta situação, a sequência não é necessariamente evidência de causalidade.

Para obter mais informações, veja o tópico Transtornos do Espectro Autista na DynaMed.

Equipe Editorial do MBE em Foco da Dynamed

Este MBE em Foco foi escrito por Dan Randall, MD, editor adjunto para Medicina Interna da DynaMed. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts, e Katharine DeGeorge, MD, MS, professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia de editora clínica da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MS, professor do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.