Não são os inibidores da ECA que estão matando as pessoas com COVID-19

MBE em foco - Volume 6, Issue 7

Referência: Circ Res. 2020 Apr 17

Há pouco mais de um mês, uma correspondência de uma página inteira no Lancet alcançou as manchetes ao trazer a hipótese de que os inibidores da ECA levam os pacientes a um maior risco de COVID-19 grave. Os autores foram ainda além e chegaram a sugerir que se considerassem terapias alternativas a essa classe de medicamentos. Isso gerou grande confusão e até mesmo pânico, e muitos pacientes tiveram seus inibidores da ECA suspensos por seus médicos devido a um “excesso de zelo” para evitar os danos potenciais das medicações. A verdade é que a confiança no raciocínio fisiopatológico para a tomada de decisões clínicas foi potencialmente mais prejudicial que deixar os pacientes tomando seus inibidores da ECA.

Este estudo de coorte retrospectivo realizado na China avaliou os efeitos dos inibidores da ECA e bloqueadores de receptores de angiotensina (BRAs) sobre a mortalidade em adultos hospitalizados com idades entre 18 e 74 anos, COVID-19 confirmada e hipertensão que não tinham nenhuma outra doença terminal. Foram coletados os dados de 188 adultos que receberam um inibidor da ECA ou BRA enquanto hospitalizados e de 940 pacientes que não receberam medicação dessas classes. Os pacientes do grupo que não recebeu essas medicações tiveram maior probabilidade de ter febre, dispneia ou lesões pulmonares bilaterais na tomografia à admissão, enquanto os pacientes do grupo que recebeu as medicações tiveram maior probabilidade de estar sendo tratados com antivirais, diuréticos e betabloqueadores e de terem doença arterial coronariana comórbida. A presença ou não de insuficiência cardíaca comórbida não foi relatada. Foram criadas coortes com escores de propensão equivalentes e os dados foram analisados tanto para a coorte equivalente quanto para a não equivalente. Em ambas as coortes o tratamento com inibidor da ECA ou BRA durante a hospitalização foi significativamente associado a um menor risco de mortalidade por todas as causas aos 28 dias de acompanhamento, com razão de dano de 0.37 (a favor do grupo das medicações) em ambas as análises.

Assim como em qualquer estudo sem randomização, provavelmente há diferenças importantes nessas duas coortes que tornaram os pacientes inerentemente mais ou menos propensos a receberem inibidores da ECA ou BRAs logo de início. Pode ser que os pacientes do grupo que não recebeu essas medicações estivessem mais graves e tiveram hipotensão, de maneira que não as tolerariam, dado que não foram mais propensos a receberem outros anti-hipertensivos. Pode ser que os pacientes do grupo que recebeu as medicações tenha sido mais propenso a ter insuficiência cardíaca, dado que os pacientes tiveram mais probabilidade de terem recebido todas as medicações para insuficiência cardíaca que as diretrizes recomendam. Não é possível realmente sabermos o que fez com que esses grupos tenham sido diferentes -apenas que eles foram diferentes sob alguns aspectos. A análise da propensão faz o que pode para levar esses fatores de confusão em conta, mas a randomização é melhor.

Ainda assim, esse estudo de uma população de pacientes com hipertensão fornece a melhor evidência disponível sobre a questão acerca de se os inibidores da ECA ou os BRAs aumentam o risco de morte em adultos com COVID, conforme a hipótese levantada no comentário do Lancet. Muito pelo contrário, os inibidores da ECA e BRAs foram associados a uma mortalidade menor. Isso destaca de maneira muito clara o que pode estar em jogo quando se confia no raciocínio baseado na fisiopatologia ao invés da evidência para a decisão clínica. A questão não é o que deveria acontecer com base na fisiopatologia, é o que realmente acontece, e a única maneira de sabermos é fazendo estudos, de preferência ensaios randomizados que permitam grupos com prognósticos e associações causais similares. Então, vamos primeiramente não fazer o mal e não tomar decisões baseadas exclusivamente em preocupações teóricas sobre possíveis danos. Em uma emergência, a evidência da qual precisamos pode ainda não existir, e pode ser que as decisões tenham que ser tomadas mesmo assim. Mas o viés tem que ser em direção à evidência clínica em vez das justificativas fisiopatologicas.

Para mais informações, veja o tópico COVID-19 e Pacientes com Doença Cardiovascular na DynaMed.

Equipe Editorial do DynaMed MBE em Foco

Este MBE em Foco foi escrito por Katharine DeGeorge, MD, MS, professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virginia e editora clínica da DynaMed. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família da Faculdade de Medicina da Universidade de Massachusetts, e Dan Randall, MD, editor adjunto para Medicina Interna da DynaMed.