Referência: JAMA Netw Open. 2020 Jun 1
Em 2020 milhões de hectares de florestas foram queimados nos estados da Califórnia, Oregon e Washington nos Estados Unidos, no Pantanal brasileiro e em outras partes do mundo -incêndios que têm sido impactados por recordes de calor resultantes das mudanças climáticas. Há muito tempo a elevação das temperaturas e a má qualidade do ar têm sido associadas a doenças cardiorrespiratórias e neoplasias em adultos não gestantes. Dados mais novos, no entanto, sugerem que o calor e a poluição também podem estar associados a desfechos gestacionais adversos, de acordo com uma revisão sistemática de estudos observacionais publicada recentemente.
Esta revisão sistemática avaliou 68 estudos transversais, de coortes, de séries temporais e de caso-controle e examinou os efeitos da poluição aérea e do calor sobre desfechos gestacionais, incluindo nascimento pré-termo, baixo peso ao nascer e natimortos. A exposição à poluição aérea foi definida pelos níveis de material particulado fino (PM2.5) e/ou pelos níveis de ozônio (O3) e outros poluentes. A heterogeneidade entre os estudos impediu o agrupamento e a meta-análise dos dados.
A exposição a PM2.5 foi associada a riscos aumentados de nascimento pré-termo (aumento mediano de 11,5%) em 19 de 24 estudos, baixo peso ao nascer (< 2500g; aumento mediano de 10,8%) e natimortos (aumento mediano de 14,5%) em 4 de 5 estudos. Da mesma forma, a exposição ao calor foi associada a riscos aumentados de nascimento pré-termo (aumento mediano de 15.5%) em 4 de 5 estudos, baixo peso ao nascer (aumento mediano de 31%) em 3 de 3 estudos e natimortos em 2 de 2 estudos. Os nascimentos pré-termo aumentaram a cada aumento de 5,6°C na temperatura em 3 estudos na California. As associações entre exposição a calor e nascimentos pré-termo e natimortos foram particularmente altas nas mulheres negras e de origem asiática e nas mulheres negras e hispânicas, respectivamente.
Este estudo levanta uma série de preocupações importantes acerca do impacto do ambiente sobre os desfechos gestacionais. Quaisquer conclusões são naturalmente limitadas pela natureza observacional dos desenhos dos estudos, o que é uma questão em qualquer análise em que a randomização não seja possível. No entanto, ele sublinha a relação entre a exposição a calor e poluição aérea e os desfechos gestacionais adversos e destaca o impacto sobre as minorias étnicas, especialmente as mulheres negras. Apesar de as taxas absolutas de nascimentos pré-termo, baixo peso ao nascer e natimortos parecerem baixas, não nos esqueçamos de que esses desfechos se adicionam entre si, não acontecem isoladamente e provavelmente têm implicações as quais podemos não notar por muitos anos. Assim como na pandemia de COVID-19, a crise climática continuará a exacerbar as desigualdades sanitárias já existentes.
Foi apenas recentemente que as mudanças climáticas foram mais amplamente percebidas como uma crise com consequências a jusante para a saúde, como exposição a calor e poluição, alteração das transmissões de doenças por vetores, ameaça às seguranças alimentar e hídrica, aumentos dos riscos de doenças mentais e migrações em massa. Esta revisão apoia a hipótese que atribui a queda observada no número de nascimentos prematuros ao redor do mundo durante os lockdowns pela COVID-19 ao declínio da poluição aérea e se adiciona a um corpo crescente de literatura que indica que a qualidade do ar e a temperatura podem ter efeitos adversos sobre os desfechos obstétricos. Ela também demonstra como as alterações climáticas podem afetar de modo desproporcional as minorias étnicas. Com mais evidências de que as consequências para a saúde das alterações climáticas vão além dos danos causados por tempestades e inundações, talvez precisemos focar na comunicação pública em relação às alterações climáticas e os riscos para a saúde associados a elas para destacar a urgência das ações necessárias para reduzir seus efeitos.
Para mais informações, veja o tópico Fatores de risco para nascimento prematuro e parto pré-termo na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Nicole Jensen, MD, fellow em desenvolvimento docente e instrutora clínica de Medicina de Família na Universidade da Virginia. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Dan Randall, MD, editor adjunto para Medicina Interna da DynaMed; e Katharine DeGeorge, MD, MS, professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virginia.