Referência: JAMA. 2024 Dec 24; 332(24):2068-2080
Conclusão prática: A obesidade infantil nas comunidades vulneráveis não é nem inevitável nem puramente genética, e pode ser reduzida com uma intervenção baseada em smartphones na infância.
Pérola da MBE: Quando algo parece ser de baixo custo, baixo risco e altamente efetivo, às vezes podemos agir mesmo com base em evidências imperfeitas.
A obesidade infantil, como muitas ameaças modernas à saúde pública, é um flagelo lento mas mortal. Quando vemos crianças com sobrepeso ou obesidade em comunidades vulneráveis, é difícil perceber que essa forma de desnutrição pode ser tão mortal quanto o baixo peso ou a falta de crescimento (por exemplo, a prevalência de diabetes tipo 2 pediátrico aumentou significativamente durante os estressantes anos da pandemia de COVID-19). Uma intervenção pragmática que reduza a obesidade infantil nas populações vulneráveis seria muito bem-vinda.
A colaboração do estudo Greenlight, um consórcio acadêmico pediátrico de seis centros com sede nos EUA, publicou recentemente os resultados de um estudo randomizado comparando o aconselhamento padrão sobre dieta e nutrição saudáveis versus aconselhamento com feedback digital em tempo real para famílias com recém-nascidos. Embora um critério para o recrutamento tenha sido possuir um smartphone, o estudo incluiu propositalmente famílias socioeconomicamente diversas. O espanhol foi a primeira língua em cerca de 35% das famílias, o cuidador principal foi avaliado como tendo literacia em saúde limitada cerca de 57% do tempo, e cerca de 15% dos participantes relataram ter insegurança alimentar no início do estudo. Um total de 900 crianças foram randomizadas (451 no grupo do aconselhamento apenas e 449 no grupo de aconselhamento e intervenção). Todas as famílias receberam aconselhamento inicial sobre dieta e atividade saudáveis, uma série de livretos em inglês ou espanhol e várias ferramentas físicas (copos com canudo, pratos divididos, copos rotulados para armazenamento dos alimentos). O grupo digital também teve acesso a um aplicativo de smartphone que permitia feedback em tempo real sobre o peso da criança, bem como a análise dos hábitos de dieta e de atividade, como tempo de tela. Notavelmente, o aplicativo era personalizável com base no idioma primário e na literacia em saúde do cuidador.
A intervenção digital funcionou, principalmente para aqueles em maior risco. A 24 meses, o grupo com intervenções digitais apresentou taxas mais baixas de obesidade (uma razão de risco ajustada de 0,56 [IC de 95%: 0,36-0,88], com base nos critérios do CDC de IMC ≥ percentil 95, ou 0,46 [IC de 95%: 0,24-0,89] com base nos critérios da OMS de um escore z do IMC > 3). Mais da metade das mensagens de texto enviadas no grupo de intervenção obtiveram uma resposta dos cuidadores. Observe que 24 meses de idade é o ponto geralmente aceito para deixar de considerar o peso em relação ao comprimento (kg/m) e começar a considerar os critérios do IMC como medidas de sobrepeso. Curiosamente, os resultados foram muito mais fortes nos grupos socialmente desfavorecidos, como pessoas que se identificaram como hispânicas e/ou negras, pessoas com insegurança alimentar e pessoas com menor literacia em saúde.
Basta dizer que este estudo é um "doce", por assim dizer. Esta é uma intervenção que, particularmente na era da onipresença dos smartphones, pode ser escalável para grandes populações com ferramentas que a maioria das pessoas já possui. A ausência de mascaramento no estudo é problemática, pois o cegamento é um componente chave para a validade dos ensaios clínicos randomizados e, teoricamente, poderia ter sido realizado aqui com aplicativos que enfatizassem a dieta ou a atividade, ou algum outro mecanismo para dar igual atenção a ambos os grupos. O viés de atenção, uma vez incorporado em um estudo, é quase impossível de ser ajustado com técnicas estatísticas. Às vezes, sentimos que os pesquisadores dizem que "mais pesquisas são necessárias" com a mesma frequência com que os pediatras dizem que "as crianças não são só adultos pequenos" mas, neste caso, nos perguntamos se é possível agir antes que pesquisas mais definitivas sejam realizadas. Às vezes, uma intervenção faz tanto sentido que devemos apenas ir em frente e realizá-la enquanto esperamos por mais estudos. Aplicamos generosamente essa máxima durante a pandemia de COVID-19 porque ela foi percebida como uma emergência. As enormes e crescentes desigualdades na obesidade infantil também não contam como uma emergência? Este não é um daqueles momentos em que deveríamos "apenas fazer"?
Para mais informações veja o tópico Prevenção da Obesidade em Crianças e Adolescentes na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Dan Randall, MD, MPH, FACP, editor adjunto sênior da DynaMed. Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed Este MBE em Foco foi escrito por Dan Randall, MD, MPH, FACP, editor adjunto sênior da DynaMed. Edited by Alan Ehrlich, MD, Executive Editor at DynaMed and Associate Professor in Family Medicine at the University of Massachusetts Medical School; Katharine DeGeorge, MD, MS, Deputy Editor at DynaMed and Associate Professor of Family Medicine at the University of Virginia; Dan Randall, MD, Deputy Editor at DynaMed; Vincent Lemaitre, PhD, Senior Medical Writer at DynaMed; and Sarah Hill, MSc, Associate Editor at DynaMed. Editado por Alan Ehrlich, MD, FAAFP, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta sênior da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia; McKenzie Ferguson, PharmD, BCPS, redatora médica sênior da DynaMed; Rich Lamkin, MPH, MPAS, PA-C, redator médico da DynaMed; Matthew Lavoie, BA, revisor médico sênior da DynaMed; Hannah Ekeh, MA, editora associada sênior II da DynaMed; e Jennifer Wallace, BA, editora associada sênior da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, docente do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.