Ômega-3? O hálito de peixe não vale a pena

MBE em foco - Volume 7, Issue 13

Referência: JAMA. 2020 Nov 15

Replicar os ácidos graxos ômega-3 que ocorrem na natureza para espelhar os benefícios alimentares para a saúde cardiovascular tem o mesmo problema que muitas outras tentativas de copiar a natureza –as coisas nem sempre saem como se espera. O estudo REDUCE-IT, publicado em 2019, sugeriu que a suplementação de estatinas com uma forma proprietária do ácido eicosapentaenoico (EPA) poderia ajudar na prevenção secundária de eventos cardiovasculares. Pesquisadores realizaram recentemente um ensaio quase idêntico (STRENGTH) para a formulação de ácido carboxílico da Astra-Zeneca, chamada ômega-3 CA, que combina EPA e ácido docosahexaenóico (DHA).

Os pesquisadores analisaram os principais eventos adversos cardiovasculares (MACE) em um grupo multi-localizado de 13078 pacientes que já tomavam estatinas, com cerca de metade deles com alto risco de um evento primário (devido a idade, história familiar, tabagismo, diabetes, proteína C-reativa de alta sensibilidade [hsCRP] elevada ou hipertensão) e a outra metade necessitando de prevenção secundária após um evento primário. Após a randomização, metade do grupo recebeu ômega-3 CA e a outra metade recebeu cápsulas de óleo de milho como comparador. Os grupos foram acompanhados por vários anos com contatos a cada três meses, mas o ensaio foi interrompido prematuramente por futilidade porque a medicação não pareceu estar funcionando. O estudo teve poder adequado para detectar uma diferença de 15% entre os grupos, e 1580 dos 1600 eventos planejados foram registrados.

Não houve diferenças significativas entre os grupos quanto aos MACE, incluindo morte cardiovascular, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e internação por angina instável (razão de riscos [HR] 0,99, IC de 95%: 0,9-1,09), com resultados semelhantes às análises de subgrupos quanto a eventos primários e secundários. Um desfecho terciário se destacou, no entanto —a taxa de fibrilações atriais de início recente nos pacientes que recebiam ômega-3 CA versus os que recebiam óleo de milho: 2,2% vs. 1,3% (HR 1,69, IC de 95%: 1,29-2,21).

Esta tentativa de replicar os benefícios da prevenção secundária com o óleo de peixe encontrados no ensaio REDUCE-IT não só não deu certo como pode ter prejudicado os pacientes por induzir fibrilação atrial (um aumento da incidência de fibrilação atrial também foi observado no estudo REDUCE-IT). Uma crítica tanto ao ensaio STRENGTH quanto ao REDUCE-IT é o uso do óleo de milho e de óleo mineral, respectivamente, como comparadores devido a possíveis efeitos não caracterizados desses óleos. As cápsulas de Ômega-3 CA foram associadas neste estudo com reduções significativas nos triglicérides, nos níveis de colesterol não HDL e na hs-CRP, portanto hipoteticamente a suplementação deveria ter reduzido os eventos na vida real. Permanece a questão sobre se as pessoas que consomem uma quantidade equivalente de ômega-3 CA em sua dieta em vez de em uma cápsula têm benefício clínico, como ocorre com o cálcio dietético versus a suplementação. Ou talvez o benefício das estatinas para a prevenção secundária seja tão grande que um benefício adicional do ômega-3 CA é muito pequeno para se poder medir de maneira realística. Por mais irritante que isso deva ser para o pessoal da Astra-Zeneca, este estudo sugere que a adição de ômega-3 CA a uma estatina não faz bem e tem risco de danos.

Para obter mais informações, consulte o tópico Ácidos Graxos Ômega-3 e Óleo de Peixe na DynaMed.

Equipe Editorial do MBE em Foco da DynaMed

Este MBE em Foco foi escrito por Dan Randall, MD, editor adjunto para Medicina Interna da DynaMed. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts, e Katharine DeGeorge, MD, MS, professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia e editora clínica da DynaMed, e Christine Fessenden, assistente de operações editoriais da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MS, professor do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.