Referência: JAMA. 2019 Mar 19;321(11):1069
Os médicos frequentemente consultam as diretrizes de prática clínica em busca de recomendações com relação às suas opções para diagnósticos e tratamentos. Idealmente, as recomendações são baseadas nas melhores evidências disponíveis, sendo a força da recomendação diretamente ligada à evidência. Isso deveria se aplicar especialmente às diretrizes sobre doença cardiovascular considerando-se o volume relativamente alto de ensaios em cardiologia publicada em revistas respeitadas e os mais de 2 bilhões de dólares da verba para pesquisa do NIH alocados à área todos os anos. Assim, as diretrizes da American Heart Association e American College of Cardiology (AHA/ACC) e da European Society of Cardiology (ESC) publicadas ao longo da última década foram analisadas recentemente para se determinar o nível das evidências que embasaram as muitas recomendações que guiam a prática clínica atual.
Esse estudo examinou 26 diretrizes da AHA/ACC e 25 diretrizes da ESC publicadas de 2008 a 2018 as quais, juntas, deram mais de 6000 recomendações. Das quase 3000 declarações de recomendação da AHA/ACC, 43.4% recebem uma recomendação Classe I (a mais forte), ainda que apenas 14,2% dessas recomendações de Classe I tenham sido baseadas em evidências de nível A (alta qualidade). A diretriz da AHA/ACC com a porcentagem mais alta de recomendações de Classe I apoiadas por evidências de nível A (a atual diretriz sobre colesterol sérico) teve apenas 35% dessas recomendações apoiadas por evidências de nível A. Onze por cento das 188 recomendações cardiológicas gerais de Classe I relevantes para os cardiologistas são apoiadas por evidências de nível C (o que inclui opiniões de consensos de especialistas, estudos mecanisticos e dados de registros de baixa qualidade). As diretrizes europeias tiveram um desempenho ligeiramente melhor, com 21,5% das recomendações de Classe I sendo baseadas em evidências de nível A. Para as diretrizes com versões atuais e anteriores disponíveis, tanto a AHA/ACC quanto a ESC tiveram reduções, ao longo do tempo, nas proporções de recomendações de Classe I apoiadas em evidências de nível A. Um relatório publicado no JAMA em 2014 sobre a durabilidade das recomendações da AHA/ACC constatou que as recomendações baseadas em evidências de menor qualidade tiveram maior probabilidade de serem alteradas ao longo do tempo em comparação com aquelas baseadas em evidências de qualidade mais alta.
As diretrizes têm um alto impacto sobre a prática clínica, os padrões de assistência, as métricas de qualidade e o reembolso pelas fontes pagadoras. Intuitivamente, é de se esperar que as recomendações de Classe I sejam sustentadas por evidências de nível A, e provavelmente muitos assumem que elas são. Ao invés disso parece que, apesar de a literatura ter crescido, os autores de diretrizes continuam a embasar muitas recomendações fortes apenas na opinião de especialistas. Isso perpetua um ciclo no qual a prática clínica acaba sendo direcionada pela opinião de especialistas e pelo raciocínio fisiopatológico em vez de recomendações derivadas de evidências de ensaios clínicos de alta qualidade. As diretrizes deveriam, pelo menos, priorizar aquelas recomendações baseadas nas evidências de qualidade mais alta, e destacar as ausências de dados que embasam aquelas apoiadas por opiniões de especialistas apenas.