Referência: N Engl J Med. 2020 May 27
As disparitidades na qualidade da assistência e nos desfechos de saúde relacionados à cor da pele já estão bem documentados, particularmente entre os pacientes negros não hispânicos nos EUA. Também já se relatou que a COVID-19 afeta de maneira desproporcional os pacientes negros. Um estudo de coorte retrospectivo recente incluiu 3481 pacientes (idade média de 54 anos) com COVID-19 confirmada que receberam assistência em um sistema de saúde integrado (Ochsner Health) em New Orleans, na Louisiana. Desses pacientes, 70,4% eram negros não hispânicos e 29,6% eram brancos não-hispânicos. É de se notar que os pacientes negros constituem apenas 31% dos pacientes rotineiramente atendidos pela Ochsner Health. O estudo excluiu os pacientes com COVID-19 que não eram negros nem brancos ou para os quais os dados de raça/etnia não estavam disponíveis.
Os desfechos primários analisados foram a hospitalização e a mortalidade hospitalar. Os pacientes negros tiveram um risco aumentado de hospitalização em uma análise ajustada para outros fatores associados a maior probabilidade de internação, incluindo idade mais avançada, sexo masculino, obesidade, residência em uma área de baixa renda e seguro coberto pelo Medicare ou Medicaid (odds ratio ajustada de 1,96; IC de 95%: 1,62-2,37). Entre todos os casos de COVID-19, 70,4% ocorreram em pacientes negros, e dentre todos os pacientes que morreram de COVID-19, 70,6% eram negros. Os pacientes negros não estiveram sob risco aumentado de morte após o ajuste para sexo e idade (razão de riscos ajustada em relação aos pacientes brancos: 0,89; IC de 95%: 0,68-1,17). Entre os pacientes falecidos, os pacientes negros tiveram duas vezes mais chances de terem sido tratados com ventilação mecânica (73,9% vs. 36,5%).
Diversas análises apresentadas neste estudo sugerem que os pacientes negros podem ter procurado assistência já em um estado mais grave, e que eles tinham um status socioeconômico mais baixo. Mais pacientes negros do que brancos se apresentaram com febre, tosse e dispneia, e com níveis mais altos de creatinina, aspartato aminotransferase ou marcadores inflamatórios no momento da testagem para COVID-19. Os pacientes negros também tiveram maior probabilidade de serem diagnosticados com COVID-19 em um serviço de emergência (65,3% vs. 38%). Os pacientes negros tiveram maiores probabilidades de terem obesidade (53,9% vs. 39,5%), hipertensão (33,8% vs. 23,9%), diabetes (18,5% vs. 10,9%) e doença renal crônica (9,4% vs. 4,6%). Comparados aos pacientes brancos, os pacientes negros tiveram três vezes mais chances de serem usuários do Medicaid (15% vs. 5%), tiveram menor probabilidade de terem um seguro privado (47,1% vs. 57,3%) e tiveram quase duas vezes mais chances de morar em uma área de baixa renda (56,9% vs. 29%). No entanto, essas diferenças não explicam inteiramente a disparidade nas hospitalizações entre pacientes negros e brancos.
Esses resultados indicam que os pacientes negros são mais propensos a contrair COVID-19, o que leva a taxas mais altas de hospitalização e morte devidas a esta doença. Apesar de as taxas de mortes entre pacientes negros e brancos com COVID-19 terem sido similares às taxas de infecção, os pacientes negros foram significativamente mais representados entre os infectados. Esses resultados ecoam estudos conduzidos na Geórgia, norte da Califórnia, Ohio, e Reino Unido. Diversos fatores além dos considerados neste estudo podem ter contribuído para a taxa significativamente mais alta de infecções na população negra. Existe uma proporção mais alta de pessoas negras trabalhando na indústria de serviços, incluindo empregos em hospitais, instituições de cuidados em longo prazo ou lojas de varejo, muitas das quais são classificadas como trabalhadores essenciais e têm um maior risco de exposição. Além disso, uma porcentagem mais baixa de trabalhadores negros tem a possibilidade de trabalhar a partir de casa, o que limita sua capacidade de manter distanciamento social. As pessoas negras também podem ter maior probabilidade de morar em áreas caracterizadas por níveis mais altos de poluição atmosférica e uma proporção mais alta de domicílios com condições superpopuladas de moradia. São necessárias pesquisas adicionais para se elucidarem todas as razões para essas disparidades tão grandes na hospitalização e morte por COVID-19. No entanto, com base nesses dados, os médicos devem ter em mente que os pacientes negros estão provavelmente sob um maior risco de infecção pela COVID-19, e isso leva a maiores riscos de hospitalização e de morte por essa doença.
Para mais informações veja o tópico COVID-19 (Novo Coronavírus) na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Terri Levine, PhD, autor médico sênior em Ginecologia e Obstetrícia da DynaMed. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor-executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts, Dan Randall, MD, editor adjunto para Medicina Interna da DynaMed, e Katharine DeGeorge, MD, MS, professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia e editora clínica da DynaMed.