Para bebês de 29 a 60 dias de idade com febre, uma urina positiva significa que podemos poupá-los de uma punção lombar!

MBE em Foco - Volume 9, Issue 5

Referência: Pediatrics. 2022 Oct 1;150(4):e2021055633

Conclusão prática: Lactentes de 29 a 60 dias de idade com febre e uma urina 1 positiva e aqueles ≤ de 28 dias com critérios da PECARN de baixo risco têm uma probabilidade extremamente baixa de meningite bacteriana e podem ser poupados da punção lombar.

Pílula da MBE: Um viés filosófico em relação à ação leva ao sobrediagnóstico e a excesso de tratamentos, enquanto um viés para a inação implica o risco de não reconhecer e não tratar uma doença. Faça sua escolha (ou melhor, pratique a filosofia) até que os dados estejam disponíveis.

Há muitos marcos comemorados durante o primeiro ano de vida de uma criança. Para alguns pais, o marco de dois meses pode ser o maior, trazendo o alívio de que uma febre não significa mais que o seu bebê vai receber uma punção lombar automaticamente. Mas não seria ótimo se pudéssemos realmente diferenciar os bebês graves dos não graves sem uma punção lombar? Podemos estar nos aproximando disso.

Os autores do estudo de coorte PECARN publicaram uma análise secundária que avaliou a prevalência de meningite bacteriana e bacteremia em lactentes saudáveis ≤ 60 dias de idade que se apresentaram em prontos-socorros com febres ≥ 38°C e urina 1 positiva. Mais de 7.000 lactentes com urina 1, hemocultura e líquido cefalorraquidiano disponíveis para revisão foram incluídos nesta análise secundária. Muitos também tinham procalcitonina e contagem de neutrófilos, todos os quais fazem parte dos critérios de predição do PECARN para infecções bacterianas graves em lactentes de 29 a 60 dias de idade. Cerca de 15% dos lactentes analisados apresentavam urina 1 positiva (57% do sexo masculino, 32% ≤ 28 dias de idade), definida como a presença de nitratos, qualquer esterase leucocitária ou > 5 leucócitos por campo de alta potência.

Enquanto cerca de metade dos lactentes com uma urina 1 positiva tinham ITU´s com cultura positivas, foi extremamente improvável que tivessem meningite bacteriana ou bacteremia. E por extremamente improvável queremos dizer 0% de chance (neste estudo, pelo menos), pois não houve casos de meningite ou bacteremia nos lactentes de 29 a 60 dias de idade com urina 1 positiva ou naqueles ≤ 60 dias com urina 1 positiva, procalcitonina < 0,5 ng/mL e neutrófilos < 4 ×103 células/mm3. Apenas 0,2% dos lactentes com urina 1 negativa apresentaram meningite bacteriana, e 1,1% estavam bacterêmicos.

Esses dados destacam as implicações de se atuar com um viés para a ação (em oposição à inação) quando se têm poucas evidências. No passado, tínhamos pesquisas para dizer que o julgamento clínico por si só era inadequado para prever quais bebês com febre poderiam ter meningite, mas não tínhamos outras ferramentas para nos ajudar a diferenciar de forma confiável os graves dos não graves sem testes diagnósticos invasivos. Então, à época o caminho claramente escolhido por especialistas e organizações profissionais era fazer uma punção lombar, mesmo que isso significasse que 100.000 bebês recebessem uma punção para salvar um caso não reconhecido de meningite. Mas agora a prevalência da meningite é menor, e essa proporção estaria mais próxima de um milhão de bebês recebendo punções para se identificar um caso de meningite. Hoje, graças a este estudo e sua coorte-mãe PECARN, não faltam mais evidências e não precisamos mais empregar tanto viés filosófico em nossas decisões. Podemos usar os exames de urina e os critérios laboratoriais da PECARN para prever quais bebês febris têm uma infecção bacteriana grave sem fazer punções lombares. Ah, e temos que mencionar um último resultado emocionante aqui: finalmente encontramos uma situação em que a procalcitonina é realmente útil!

Para mais informações veja o tópico Infecção do trato urinário (ITU) em crianças na DynaMed.

Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed

Este MBE em Foco foi escrito por Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed; Nicole Jensen, MD, médica de família da WholeHealth Medical; Vincent Lemaitre, PhD, autor médico sênior na DynaMed; e Sarah Hill, MSc, editora associada da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, professor do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.