Referência: Cochrane Database Syst Rev. 2022 Nov 14;11(11):CD012956
Conclusão prática: A farmacoterapia provavelmente não ajuda no transtorno de personalidade borderline em si, mas pode ajudar no tratamento dos sintomas.
Pílula da MBE: As Revisões Cochrane podem ser um farol na neblina das informações.
Em 2023 o Instituto Cochrane, criador das Revisões Cochrane (RCs), completará 30 anos. Se você não for academicamente inclinado, pode ser que tenha somente uma vaga ideia do que é uma revisão Cochrane. O instituto e as revisões com o nome "Cochrane" foram iniciados 6 anos após a morte, em 1987, de seu patrono Archie Cochrane, um dos primeiros e mais ardentes defensores dos ensaios clínicos randomizados e da agregação e análise sistemáticas dos dados de vários ensaios.
Uma RC recente que examinou a efetividade do uso de medicamentos no tratamento do transtorno de personalidade limítrofe (ou borderline) ilustra tanto o poder quanto as limitações da metodologia Cochrane. Os pesquisadores realizaram buscas em 20 bases de dados para chegar a mais de 25 mil artigos iniciais. Eles reduziram isso a 45 ensaios randomizados controlados, os quais foram examinados mais de perto quanto a vieses, especificidade da pergunta, transparência/relevância da metodologia e uma variedade de outros critérios predefinidos. Esta lista de critérios que canaliza muitos estudos para apenas os mais relevantes é tanto um ponto forte quanto uma crítica à abordagem Cochrane. Por um lado, ela padroniza o modo de abordagem de um problema clínico de modo que, se a revisão for realizada em Seul ou em Buenos Aires, o leitor sabe o que esperar, quase como uma franquia. No entanto, os rigorosos critérios de inclusão e exclusão utilizados podem resultar em que estudos potencialmente relevantes e mais qualitativos sejam deixados de fora.
Depois de examinar todos os ensaios que passaram por seu funil crítico em relação a vieses, heterogeneidade e outros parâmetros, os autores deste artigo concluem que não há evidências de alta qualidade que apoiem o uso de qualquer farmacoterapia para o transtorno de personalidade limítrofe em si, embora alguns medicamentos possam ajudar com alguns sintomas específicos, como agressividade ou dissociação. A capacidade de afirmar de maneira confiante que atualmente não há informações suficientes para se dar uma resposta definitiva a uma pergunta é outra vantagem da metodologia Cochrane.
Para a maioria de nós, as RCs são consideradas notavelmente confiáveis, mesmo quando os resultados não são tão diretivos quanto poderíamos esperar. Isso não quer dizer que o sistema em si não seja falho. O transtorno de personalidade limítrofe é um problema complicado, mas, mesmo assim, o relatório de 379 páginas desta revisão é assustador de ser considerado no local de atendimento, particularmente se levarmos em conta que há outro relatório separado sobre as terapias psicológicas, de 2020 (522 páginas). Processar as meticulosamente detalhadas revisões Cochrane é tão oneroso que existe até um grupo inteiro para realizar "revisões guarda-chuvas", ou "resumos de revisões", projetados para reduzir o penoso trabalho de localizar e assimilar as evidências de alta qualidade. Além da extensão dos artigos, há variabilidades relatadas tanto nos critérios utilizados para inclusão dos estudos quanto na forma como os resultados são apresentados. Além disso, as revisões Cochrane não são tão úteis para resumir dados observacionais e, embora tentem reduzir o viés de publicação, ele é uma fraqueza persistente em seu método. O grupo está ciente de suas próprias limitações e está ativamente tentando melhorar.
O truque é encontrar uma revisora guarda-chuva das RCs que seja igualmente transparente e confiável. Os editores da DynaMed trabalham incansavelmente para ser um desses recursos. Esperamos que até o nosso 30º aniversário nós tenhamos uma reputação tão boa quanto a da Cochrane. Feliz aniversário para todos na Colaboração Cochrane!
Para obter mais informações, consulte o tópico Transtorno de Personalidade Borderline na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia; Nicole Jensen, MD, médica de família da WholeHealth Medical; Vincent Lemaitre, PhD, autor médico sênior na DynaMed; e Sarah Hill, MSc, editora associada da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, professor do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.