Referência: N Engl J Med. 2025 Mar 6; 392(10):947-957
Conclusão prática: Um estudo que muda a prática mostra que o tratamento do parceiro masculino com antimicrobianos orais e tópicos reduz as taxas de recorrência da vaginose bacteriana (VB) pela metade, (finalmente) confirmando a vaginose bacteriana como uma IST.
Pérola da MBE: O objetivo da randomização é garantir que as variáveis que de outra forma teriam afetado o desfecho estejam igualmente representadas entre os grupos de tratamento, de modo que a única associação causal possível seja a intervenção em questão.
Apesar de a vaginose bacteriana ser a causa mais comum de corrimento vaginal nas mulheres em idade reprodutiva, com uma taxa de recorrência de quase 60% em 1 ano, seu status de IST tem sido debatido há anos. Os opositores citam a ausência de um mecanismo patológico claro, a falta de um processo patológico semelhante nos homens e a ausência de eficácia do tratamento dos parceiros masculinos com metronidazol como razões para colocar a questão das ISTs na cama, por assim dizer. Mesmo o CDC não recomenda, atualmente, o tratamento de rotina dos parceiros do sexo masculino (desde 2021), apesar das longas discussões em sua declaração de recomendação sobre como talvez pode ser que ela seja uma IST.
Mas sejamos honestos - se um quarto da população masculina fosse afetada por um corrimento genital recorrente e fedorento apesar de repetidos cursos de cremes lambuzados ou pílulas que fizessem suas bocas terem gosto de metal e exigissem abstinência de álcool por 7 dias, há uma boa chance de que já teríamos descoberto isso. Bem, pode ser necessária uma equipe de pesquisadores liderada por uma mulher para finalmente ir a fundo nessa questão.
Esses autores australianos elaboraram um ensaio clínico randomizado e controlado de alta qualidade com 164 casais monogâmicos heterossexuais adultos nos quais a parceira tinha vaginose bacteriana sintomática para avaliar o impacto do tratamento dos parceiros masculinos com antimicrobianos orais e tópicos na recorrência da vaginose bacteriana. Dentre as mulheres, 87% tinham tido vaginose bacteriana no passado, com uma mediana de 3 infecções anteriores. Em todos os casais, a parceira recebeu tratamento de primeira linha com metronidazol 400 mg por via oral duas vezes ao dia por 7 dias ou, se contraindicado, creme de clindamicina a 2% por via intravaginal por 7 noites, ou metronidazol a 0,75% por via intravaginal por 5 noites. Os parceiros do sexo masculino foram randomizados para não receberem nenhum tratamento ou um curso de 7 dias de metronidazol 400 mg duas vezes ao dia e creme de clindamicina a 2% aplicado topicamente na pele do pênis. Embora os casais não tenham permanecido cegos, todos os avaliadores dos desfechos permaneceram. Todos os casais foram instruídos a não terem nenhum contato sexual durante os cursos de tratamento.
Os resultados foram impressionantes. Tão impressionantes, na verdade, que o estudo foi encerrado precocemente devido à eficácia detectada já na primeira análise interina, depois que apenas 150 casais completaram o seguimento de 12 semanas. Em uma análise por intenção de tratar modificada, as taxas de recorrência das vaginoses bacterianas a 12 semanas foram de 35% no grupo de tratamento do parceiro masculino em comparação com 63% no grupo não tratado. Isto representa um NNT de 4, com uma diferença de risco absoluto de -2,6 recorrências por pessoa-ano.
O estudo não foi perfeito, mas por causa de nossa velha e confiável companheira randomização, os efeitos do que poderiam ter sido fatores de confusão são mínimos. Por exemplo, 80% dos parceiros do sexo masculino não eram circuncidados, e cerca de 30% das parceiras do sexo feminino tinham DIU, ambos predispondo ao transporte de bactérias. No entanto, como os pacientes foram distribuídos aleatoriamente entre os grupos de tratamento e analisados por intenção de tratar, a equivalência prognóstica foi mantida, e esses fatores não tiram a validade da associação causal entre o tratamento dos parceiros masculinos e a recorrência da VB, como afirmam os resultados das análises de subgrupos estratificados por esses fatores. Uma limitação do estudo é a de que ele incluiu principalmente pessoas de origem do Pacífico Ocidental e da Europa, o que pode limitar a generalização para grupos étnicos com maior prevalência documentada de vaginose bacteriana. Além disso, todos os casais estavam em relacionamentos monogâmicos, então não podemos tirar conclusões sobre a eficácia do tratamento dos parceiros masculinos para a transmissão não acoplada (ainda).
O ponto principal, no entanto, é que estamos testemunhando uma mudança de paradigma: a vaginose bacteriana deve ser considerada uma IST, e os parceiros do sexo masculino devem ser tratados. Assim como acontece com a clamídia, a gonorreia e outras ISTs curáveis, o tratamento da vaginose bacteriana deve ser um acordo de dois por um. Apenas certifique-se de que o parceiro masculino receba antibióticos tópicos e orais.
Para mais informações consulte o tópico Vaginose Bacteriana (VB) na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta sênior da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia. Editado por Alan Ehrlich, MD, FAAFP, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Dan Randall, MD, MPH, FACP, editor adjunto sênior da DynaMed; McKenzie Ferguson, PharmD, BCPS, redatora médica sênior da DynaMed; Rich Lamkin, MPH, MPAS, PA-C, redator médico da DynaMed; Matthew Lavoie, BA, revisor médico sênior da DynaMed; Hannah Ekeh, MA, editora associada sênior II da DynaMed; e Jennifer Wallace, BA, editora associada sênior da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, docente do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.