Referência: BMJ. 2022 Mar 9;376:e068229
As diretrizes internacionais geralmente recomendam o uso de antibióticos diários em baixas doses como tratamento profilático padrão para as infecções do trato urinário (ITUs) recorrentes. Devido às crescentes preocupações com a resistência antimicrobiana, as estratégias profiláticas que não dependem de antibióticos são desejáveis. Uma revisão Cochrane publicada em 2012 concluiu que, enquanto o hipurato de metenamina, um tratamento não antibiótico, poderia ser eficaz na prevenção de ITUs, novos ensaios randomizados bem executados eram necessários para verificar sua eficácia. O hipurato de metenamina exerce uma atividade bactericida após sua conversão em formaldeído no ambiente ácido dos túbulos distais renais, o qual por sua vez desnatura as proteínas e ácidos nucleicos das bactérias. O recém-publicado ensaio randomizado ALTAR, realizado no Reino Unido, avaliou se o hipurato de metenamina não foi inferior a uma profilaxia antibiótica padrão para a prevenção de ITUs de repetição.
O ALTAR recrutou 240 mulheres adultas (idade média de 50 anos) com ITUs recorrentes que necessitavam de tratamento profilático. Todas as pacientes apresentaram no mínimo três episódios de ITU sintomática no ano anterior ou um mínimo de dois episódios nos seis meses anteriores ao recrutamento. Os pacientes foram randomizados para receberem hipurato de metenamina oral a uma dose de um grama duas vezes por dia ou uma profilaxia antibiótica padrão por 12 meses. O regime profilático antibiótico se baseou nos resultados de culturas anteriores, e em qualquer eventual histórico de alergia e/ou intolerância a medicamentos. Os regimes incluíram nitrofurantoina (50 a 100 mg), trimetoprima (100 mg) ou cefalexina (250 mg), cada uma tomada uma vez por dia. O desfecho principal do estudo foi a incidência de ITUs sintomáticas tratadas com antibióticos durante o período de 12 meses. A não inferioridade da terapia com hipurato de metenamina seria demonstrada se o limite superior do intervalo de confiança (IC) de 90% para a diferença de tratamento entre os dois grupos fosse inferior a uma ITU por pessoa-ano. Após o término do tratamento, as pacientes foram acompanhadas por mais seis meses.
À análise por protocolo, que incluiu 170 pacientes (71%), a incidência de ITUs durante o tratamento foi de 1,29 por pessoa-ano com o hipurato de metenamina e 0,87 por pessoa-ano com a profilaxia antibiótica. A diferença absoluta entre os grupos foi de 0,42 ITU por pessoa-ano, com IC de 90% de 0,05 a 0,79 por pessoa-ano. Resultados semelhantes foram obtidos à análise por intenção de tratar, a qual incluiu todos os 240 pacientes, com uma diferença absoluta entre os grupos de 0,53 ITU por pessoa-ano e um IC de 90% de 0,20 a 0,86. Em ambas as análises, o limite superior do IC foi inferior a 1, atendendo, portanto, aos critérios de não inferioridade. Ambos os grupos apresentaram incidências semelhantes de ITUs microbiologicamente confirmadas durante o tratamento (0,53 vs. 0,41 por pessoa-ano, p > 0,05), taxas semelhantes de resistência a antibióticos nos meses 6 a 12 (56% vs. 72%, p = 0,05) e taxas semelhantes de eventos adversos, os quais foram leves no geral.
Este estudo indica que o tratamento com hipurato de metenamina não é inferior ao tratamento antibiótico profilático padrão para a prevenção de ITUs recorrentes. A falta de mascaramento observada neste ensaio seria geralmente uma grande limitação em um ensaio randomizado "regular" (de superioridade). No entanto, neste estudo de não-inferioridade, a ausência de cegamento (que provavelmente favoreceria os antibióticos, dada a crença de pacientes e médicos de que os antibióticos são eficazes) não tende a ameaçar a validade dos resultados. Concluindo, o estudo ALTAR sugere que o hipurato de metenamina tem uma eficácia comparável à atual recomendação de profilaxia antibiótica dada pelas diretrizes e pode ser considerado como um tratamento de primeira linha para a prevenção da ITU nas mulheres.
Para mais informações veja o tópico Cistite de repetição em mulheres na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Vincent Lemaitre, PhD, autor médico sênior da DynaMed. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia; Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed; Carina Brown, MD, professora assistente na residência de Medicina da Família da Cone Health; Nicole Jensen, médica de família na WholeHealth Medical; e Sarah Hill, MSc, editora associada da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, professor do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.