Referência: JAMA Pediatr. 2023 Mar 27 early online
Conclusão prática: A introdução precoce de ovos, amendoim e talvez até mesmo múltiplos alimentos alergênicos parece provavelmente reduzir as alergias alimentares em algumas crianças, mas a exposição precoce pode não fazer sentido para todos os bebês.
Pílula da MBE: Em um forest plot, procure as árvores estranhas. A heterogeneidade nas metanálises (refletida nos altos escores I2) reduz a confiança nos resultados.
Levante a mão se sua mãe te deu um pouco de uísque para dormir quando você era bebê (isso explica muita coisa!). Na década de 1890, a maioria dos pais estadunidenses esperava até 11 meses para começar a oferecer alimentos sólidos (e uísque), enquanto na década de 1950 alguns especialistas recomendavam cereais no primeiro dia de vida, carne com 4 semanas e café preto com 6 semanas de idade! Os conselhos de especialistas sobre a exposição de lactentes a alimentos potencialmente alergênicos variaram de evitação completa até uma abordagem sem restrições e exposição precoce. Este é em grande parte um problema do primeiro mundo, já que a maioria dos bebês do mundo nasce em regiões de baixa e média rendas, onde as alergias alimentares são incomuns e o acesso a alimentos alergênicos é limitado. Nos EUA, no entanto, as alergias alimentares estão mais prevalentes do que nunca, e compreensivelmente na mente de muitos pais (especialmente os de primeira viagem). Médicos e pais parecem querer mais orientações sobre quando introduzir alimentos alergênicos, de preferência com base em evidências em vez de casos anedóticos ou influências comerciais (ah, mencionamos que a mudança drástica na década de 1950 para a introdução muito precoce de sólidos aconteceu na mesma época em que os alimentos comerciais para bebês foram vendidos pela primeira vez?).
Bem, vamos lá: uma recente revisão sistemática e metanálise de ensaios randomizados (principalmente em países de alta renda) fez esta pergunta: a introdução precoce de alimentos alergênicos (a uma mediana de 3-4 meses) influencia o risco de um lactente desenvolver alergias alimentares após 1 ano de idade? Um gráfico de metanálise (forest plot) do desfecho primário mostrou claramente uma redução no risco de qualquer alergia alimentar com a introdução precoce de vários alimentos alergênicos, com um NNT de 38 e um I2 marginalmente aceitável de 49% (I2 é uma medida de quanto a heterogeneidade entre os resultados individuais do estudo afeta nossa confiança no resultado combinado da meta-análise -em geral, um I2 ≥ 25% começa a ser preocupante, e ≥ 50% é um indicativo de alta heterogeneidade e, portanto, baixa certeza). Essa mesma análise revelou um NNH de 4 para a interrupção da intervenção por razões potencialmente relacionadas à intervenção, o que significa que apenas 4 bebês precisariam ser alimentados com alimentos alergênicos para que uma família adicional decidisse parar por causa de alguma desvantagem real ou percebida, incluindo alergia ou intolerância. No entanto, o forest plot para a interrupção ficou totalmente espalhado, com um I2 de 89%. Como esperado, as taxas de interrupção da intervenção foram maiores quando alimentos reais foram usados em vez de suplementos em pó que continham alérgenos. As análises das exposições individuais mostraram reduções significativas no risco de alergia com maior certeza do que o desfecho primário para as exposições a ovos (NNT = 63) e amendoim (NNT = 59). No entanto, a direção e a extensão da relação entre a exposição precoce ao leite de vaca e o risco de alergia é uma incógnita, com enorme heterogeneidade entre os resultados dos estudos individuais e uma certeza muito baixa pelos resultados agrupados não significativos.
Embora as análises das exposições individuais apoiem as recomendações existentes sobre a prática de introdução precoce de ovo e amendoim, não podemos ter tanta certeza de que a introdução de vários alimentos alergênicos reduza o risco geral de alergias alimentares devido à potencial confusão pela interrupção diferencial da intervenção nos ensaios incluídos. E o júri definitivamente ainda está indeciso sobre o leite de vaca. A realidade é que há muitas nuances quando se trata de saber se a exposição precoce a alimentos alergênicos é uma coisa boa ou não, dependendo de fatores como onde a criança vive, acesso a alimentos potencialmente alergênicos e até mesmo o alcance de marcos do desenvolvimento que indiquem que engolir líquidos engrossados ou sólidos é seguro. Há também uma preocupação razoável de que a introdução precoce de sólidos ou mesmo suplementos em pó possa reduzir a ingestão de leite materno, o qual, especialmente em países com menos recursos, pode oferecer melhor nutrição geral. Assim, devemos ter cuidado com o que desejamos. Parece que uma recomendação única para quando introduzir alimentos alergênicos pode ser a exposição mais arriscada de todas.
Para mais informações consulte o tópico Alergia alimentar mediada por imunoglobulina E (IgE) na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed; Nicole Jensen, MD, médica de família na WholeHealth Medical; Vincent Lemaitre, PhD, autor médico sênior na DynaMed; Elham Razmpoosh, PhD, pesquisadora associada na Universidade McMaster; e Sarah Hill, MSc, editora associada da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, docente do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.