Rastreamentos de cânceres: têm poder para reduzir as mortes em 10 anos?

MBE em Foco - Volume 9, Issue 14

Referência: JAMA Intern Med 2023 Aug 28 early online

Conclusão prática: O rastreamento dos cânceres realmente não faz diferença? As manchetes são feitas para fazer a cabeça das pessoas, mas certifique-se de checar os detalhes antes de mudar suas práticas.

Pílula da MBE: A mortalidade por todas as causas pode ser uma métrica perfeita, mas não prática, para medir a efetividade dos rastreamentos de cânceres.

Algum dos seus pacientes já te perguntou sobre ressonâncias magnéticas de corpo inteiro como rastreamento? Prepare-se, pois as ressonâncias magnéticas de corpo inteiro estão sendo promovidas por celebridades nas redes sociais como uma medicina preventiva para a elite. Até o momento nenhuma evidência apoia isso. Existem, no entanto, muitas modalidades de rastreamento que são amplamente utilizadas e recomendadas, embora suas capacidades para prolongar o tempo de vida sejam incertas. Uma revisão sistemática com meta-análise(s) recente publicada no JAMA procurou abordar essa questão em relação aos rastreamentos para cânceres comuns.

Os autores pesquisaram no MEDLINE e na base de dados Cochrane em busca de ensaios clínicos randomizados e meta-análises que comparassem rastreamentos para cânceres com a ausência desses rastreamentos. Os ensaios incluídos tiveram >9 anos de seguimento, com desfechos de mortalidades específica por câncer e por todas as causas. A busca abrangeu exames de rastreamento com frequências de acordo com as recomendações de diretrizes: mamografia para câncer de mama a partir dos 50 anos, teste de sangue oculto nas fezes (TSOF), sigmoidoscopia e colonoscopia para câncer de cólon, antígeno prostático específico (PSA) para câncer de próstata, tomografia computadorizada do tórax para câncer de pulmão e exame de Papanicolaou para câncer de colo do útero. Os estudos observacionais e as extrapolações de dados foram excluídos.

Dados de mais de 2,1 milhões de indivíduos em 18 ensaios clínicos randomizados que avaliaram vários testes de rastreamento com seguimento mediano de 10 a 15 anos foram incluídos nesta revisão sistemática, além do equivalente a 6 meta-análises separadas. Com base nessas análises, a retossigmoidoscopia foi o único exame de rastreamento associado a um aumento significativo na expectativa de vida (110 dias; IC de 95% 0-274 dias)*. Nenhum ganho significativo de tempo de vida foi observado com a mamografia, o PSA, a colonoscopia, o FOBT ou a TC de tórax. Não houve ensaios clínicos elegíveis para o rastreamento do câncer do colo do útero.

Isso quer dizer que devemos solicitar sigmoidoscopias e abandonar todos os outros exames de rastreamento? Não. A capacidade de detectar uma diferença onde existir uma é proporcional à duração de um estudo e ao tamanho desse estudo. Isso pode explicar por que se constatou que a sigmoidoscopia, um procedimento que é essencialmente uma versão menor da colonoscopia, mas com mais dados de estudos disponíveis (4, em comparação com 1 da colonoscopia) e seguimentos mais longos (15 vs. 10 anos), prolongou a vida enquanto a colonoscopia não. Os pacientes-anos estudados para a sigmoidoscopia aqui foram muito mais do que para os outros exames.

Uma consideração adicional em relação ao poder é que os estudos incluídos foram individualmente projetados para detectar mortalidades específicas para cada doença, mas não a mortalidade por todas as causas, apesar de esse ser o desfecho primário para as meta-análises atuais. Portanto, essa é mais uma razão para se questionar se a falta de achados estatisticamente significativos para as outras modalidades de rastreamento significa ausência de efeitos, ou se ainda precisamos de ensaios clínicos randomizados e controlados maiores e mais longos para encontrar um efeito, se houver um. A realidade, no entanto, é que uma vez que diretrizes de rastreamento estejam em vigor, torna-se desafiador concluir ensaios randomizados do rastreamento – daí a relativa falta de dados sobre colonoscopias e exames de Papanicolau.

Em última análise, embora a mortalidade por todas as causas seja obviamente uma métrica importante, ela pode simplesmente não ser uma métrica prática para avaliar os rastreamentos de cânceres. Então, o que fazemos com essas informações? Continue a manter o indivíduo à sua frente em mente durante as decisões compartilhadas sobre os rastreamentos de cânceres. Além da mortalidade por todas as causas, a mortalidade específica por câncer, a morbidade e os malefícios do rastreamento devem ser considerados. Embora essa evidência possa adicionar alguma nuance à conversa, por enquanto não pretendemos fazer nenhuma mudança em nossa prática por causa dela.

*A significância estatística foi estabelecida se o IC de 95% cruzou o 0.

Para mais informações consulte o tópico Saúde preventiva em adultos na DynaMed.

Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed

Este MBE em Foco foi escrito por Nicole Jensen, MD, médica de família da WholeHealth Medical. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta sênior da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia; Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed; Vincent Lemaitre, PhD, editor médico da DynaMed; Elham Razmpoosh, PhD, pesquisadora em pós-doutorado na Universidade McMaster; e Sarah Hill, MSc, editora associada sênior da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, docente do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.