Referencia: ensaio ART (JAMA 2017 Sep 27 early online) (evidência de nível 2 [médio])
- Não está claro se as vantagens esperadas da ventilação com pressão expiratória final positiva (PEEP) estão associadas a melhores resultados clínicos em pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA).
- No ensaio ART, 1010 adultos com SDRA (proporção entre pressão parcial de oxigênio e fração de oxigênio inspirado [PaO2: FIO2] ≤ 200) foram randomizados para receberem ventilação com manobras de recrutamento pulmonar e ajuste da PEEP baseada na complacência máxima do sistema respiratório versus uma estratégia de baixa PEEP.
- A estratégia de recrutamento pulmonar com ajuste da PEEP baseado na complacência do sistema respiratório aumentou as mortalidades a 28 dias (55,3% vs 49,3% com baixa PEEP; p = 0,041; NNH = 16) e a 6 meses (65,3% vs. 59,9% com baixa PEEP; p = 0,04; NNH = 18). Estes achados não apoiam o uso dessa estratégia de ventilação em pacientes com SDRA de moderada a grave.
Os benefícios atribuídos à ventilação com pressão expiratória final positiva (PEEP) mais elevada incluem a abertura de alvéolos colapsados ou cheios de liquido e a redução da lesão pulmonar ao impedir a abertura e o fechamento repetidos de pequenos espaços aéreos. Não está claro, no entanto, se essas vantagens potenciais se traduzem em melhores resultados clínicos em pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA). Três ensaios randomizados que compararam estratégias de ventilação mecânica com PEEPs alta e baixa com volumes correntes alvo <8 mL/kg em pacientes com lesão pulmonar aguda ou SDRA não encontraram diferenças significativas nas mortalidades até 60 dias (N Engl J Med 2004, JAMA 2008, JAMA 2008). No entanto, uma análise desses três ensaios que utilizou os dados individuais agrupados de 1892 pacientes com SDRA sugeriu um possível benefício na mortalidade intra-hospitalar associado a uma estratégia de ventilação com PEEP alta (risco relativo ajustado = 0,9; IC de 95%: 0,81-1,00) (JAMA 2010).
O recente ensaio ART investigou se a ventilação mecânica com manobras de recrutamento pulmonar e PEEP baseada na maior complacência pulmonar melhora a mortalidade em comparação com uma estratégia com PEEP baixa (JAMA 2017). Neste ensaio, 1010 adultos (idade média de 51 anos) com SDRA há <72 horas foram randomizados para 1 de 2 estratégias para a PEEP. Todos os pacientes receberam ventilação com baixa PEEP ao início do estudo, consistindo em ajustes da PEEP e da FIO2 para otimizar a PaO2, mantendo a pressão de platô ≤ 30 cmH2O e o volume corrente entre 4 e 6 mL/kg, e esta estratégia foi continuada no grupo da baixa PEEP. A estratégia de recrutamento pulmonar e ajuste da PEEP consistiu de três etapas: uma manobra de recrutamento inicial, determinação da complacência máxima e uma segunda manobra de recrutamento. Primeiramente, uma manobra de recrutamento pulmonar foi realizada com PEEPs crescentes até um máximo de 45 cmH2O. A PEEP foi então diminuída de forma escalonada para determinar a pressão na qual a complacência máxima do sistema respiratório seria atingida. Após um aumento único na PEEP para 45 cmH2O como segunda manobra de recrutamento, a ventilação foi realizada no modo assistido-controlado a volume com uma PEEP resultante da complacência máxima do sistema respiratório adicionada de 2 cmH2O. Se a relação PaO2:FIO2 permanecesse estável ou aumentasse ≥ 24 horas, a PEEP seria diminuída em 2 cmH2O a cada 8 horas. A manobra de máximo recrutamento alveolar pôde ser repetida a cada 24 horas se determinados parâmetros fossem atingidos. Devido a paradas cardíacas revertidas em 3 pacientes no grupo de recrutamento após a inclusão de 555 pacientes, as manobras de recrutamento foram modificadas para níveis de PEEP até um máximo de 35 cm H2O.
Em comparação com a estratégia de baixa PEEP, a de recrutamento pulmonar e ajuste da PEEP aumentaram as mortalidades a 28 dias (55,3% vs. 49,3% com baixa PEEP; p = 0,041; NNH = 16) e a 6 meses (65,3% vs. 59,9% com baixa PEEP; p = 0,04; NNH = 18). Outros efeitos adversos também foram mais comuns no grupo do recrutamento pulmonar e ajuste da PEEP: a necessidade de iniciar ou aumentar vasopressores ou uma queda na pressão arterial média para <65 mmHg em 1 hora ocorreram em 34,8% vs. 28,3% no grupo da baixa PEEP (p = 0,03; NNH = 15); os barotraumas (pneumotórax, pneumomediastino, enfisema subcutâneo ou pneumatocele > 2 cm) em 7 dias ocorreram em 5,6% vs. 1,6% com a baixa PEEP (p = 0,001; NNH = 25); os pneumotórax que necessitaram de drenagem ocorreram em 3,2% vs. 1,2% com a baixa PEEP (p = 0,03; NNH = 50). A diferença máxima na PEEP entre os dois grupos durante os primeiros 7 dias foi de 4,2 cmH2O no dia 1 (PEEP média de 16,2 cmH2O com o recrutamento versus 12 cmH2O com a baixa PEEP; p <0,001).
O ensaio ART demonstrou que uma estratégia de recrutamento alveolar e ajuste da PEEP com base na complacência do sistema respiratório está associada a uma maior mortalidade a 28 dias e a 6 meses em comparação com a estratégia de ventilação com baixa PEEP em pacientes com SDRA moderada a grave. Além disso, a hipotensão e o barotrauma foram mais comuns nos pacientes que receberam a estratégia de recrutamento e ajuste, e podem fornecer uma possível explicação para o aumento da mortalidade neste grupo. Os autores observam que a capacidade de resposta à PEEP não foi avaliada ao início do estudo. Ainda é necessário responder à questão sobre se o benefício clínico da estratégia baseada na complacência pode ser alcançado em pacientes que respondem à PEEP com maior recrutamento pulmonar. Por fim, uma potencial fonte de viés neste ensaio é a falta de cegamento, já que o conhecimento da designação dos grupos pode ter influenciado o uso de intervenções simultâneas por parte dos médicos assistentes. Em suma, os resultados do ensaio ART não apoiam o uso da ventilação mecânica com manobra de recrutamento pulmonar e ajuste da PEEP baseada na complacência do sistema respiratório em pacientes com SDRA de moderada a grave.
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