Sobrediagnosticar bradiarritmias não reduzirá as taxas de mortes súbitas

MBE em Foco - Volume 9, Issue 10

Referência: JAMA Cardiol. 2023 Apr 1;8(4):326-334

Conclusão prática: Mais rastreamento para bradiarritmias leva a muito mais diagnósticos, muito mais marca-passos, e nenhuma diferença nas síncopes ou mortes súbitas cardíacas.

Pílula da MBE: Embora ameaças à validade, como falta de mascaramento, recrutamento auto-selecionado e análises post-hoc, tendam a superestimar a magnitude do efeito a favor da intervenção, não precisamos nos preocupar tanto com isso quando não for encontrada nenhuma diferença no desfecho primário.

Você já se sentou à frente de uma fogueira para contar histórias assustadoras de fantasmas sobre a batida de um coração que bate cada vez mais forte, e mais forte, e mais FORTE -até que as crianças saem correndo gritando? Um estudo recente publicado no JAMA Cardiology sobre o significado prognóstico das bradiarritmias tem um efeito semelhante.

O artigo é difícil de ler, mas a versão TLDR ('too long, didn´t read' para quem está um pouco mais perto de entender "the kids these days") é realmente bastante simples: embora as bradiarritmias possam ser um fator de risco para a morte em adultos idosos, diagnosticá-las e tratá-las não ajuda a evitá-las.

Esta foi uma análise post-hoc do ensaio LOOP, previamente resumido em um EBM Focus, no qual 6.004 adultos com 70 anos ou mais com hipertensão, diabetes, insuficiência cardíaca ou acidente vascular cerebral prévio foram randomizados em 1:3 para receberem um monitor de eventos cardíacos implantável ou os cuidados habituais. Os resultados deste estudo original demonstraram um aumento de 3 vezes nos diagnósticos de FA e nas iniciações de anticoagulação sem redução significativa na incidência de AVC´s. Perderam-se pontos para o recrutamento auto-selecionado por respostas a uma carta e pela ausência de mascaramento.

O cenário do presente estudo é igualmente sombrio, o qual, como qualquer boa análise post-hoc, avaliou um número vertiginoso de resultados não pré-especificados através de muitas análises nas quais não entraremos aqui (fique à vontade!). Os desfechos mais importantes foram que o rastreamento pelo uso do monitor implantável resultou em um aumento de 6 vezes na detecção de bradiarritmias, principalmente assintomáticas, e em um aumento significativo nos implantes de marcapassos em comparação com os cuidados habituais, mas sem diferenças nos riscos de síncope ou de morte súbita, mesmo nas pessoas com arritmias de alto grau sintomáticas.

Então, onde isso nos deixa em um mundo com cada vez mais dados digitais e mais necessidade de saber e fazer algo sobre eles? Temos que lembrar que, para que qualquer intervenção de rastreamento valha a pena, a detecção precoce precisa levar a melhores desfechos do que esperar a manifestação dos sintomas. Caso contrário, estaremos tratando as pessoas sem nenhum benefício e expondo-as a riscos. Assustadoramente, esta história de sobrediagnóstico e excesso de tratamentos termina com os sons de batimentos cardíacos acelerados vindos de estranhos solavancos nos peitos de muitas pessoas idosas que não se beneficiarão desta intervenção. Ou é isso ou o som das batidas está vindo de dentro da casa assombrada... impulsionados pela nossa própria ansiedade em relação a não fazer nada acerca de um diagnóstico de arrepiar os cabelos.

Para mais informações veja o tópico Fibrilação atrial na DynaMed.

Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed

Este MBE em Foco foi escrito por Katharine DeGeorge, MD, MSc (ou seu ghostwriter), editora adjunta da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed; Nicole Jensen, MD, médica de família da WholeHealth Medical; Vincent Lemaitre, PhD, autor médico sênior na DynaMed; e Sarah Hill, MSc, editora associada da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, docente do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.