Sobrevivendo ao excesso de diagnósticos no câncer de mama

MBE em Foco - Volume 8, Issue 12

Referência: Ann Intern Med. 2022 Apr;175(4):471-478

Já se sabe que a mamografia é uma ferramenta de rastreamento imperfeita. Autores de um estudo publicado na Annals of Internal Medicine recentemente reanalisaram dados do Breast Cancer Surveillance Consortium (BCSC) para testar e desafiar a real taxa de sobrediagnósticos a partir de mamografias de rastreamento. O sobrediagnóstico foi definido como a porcentagem de cânceres de mama detectados por rastreamento que, conforme previsto por modelos matemáticos, não teriam causado doença clínica — seja porque o câncer nunca cresceria ou porque não cresceria de modo suficientemente rápido para que a pessoa falecesse em decorrência dele antes de, de acordo com as estatísticas, falecer por outra causa (por exemplo um infarto do miocárdio ou câncer de pulmão, que são causas mais comuns de morte em mulheres que o câncer de mama).

O BCSC é um grande e diversificado conjunto de dados que incluiu 35.986 mulheres de 50 a 74 anos que receberam pelo menos uma mamografia de rastreamento entre 2000 e 2018. Foram detectados 718 cânceres de mama, dos quais 645 foram detectados pelo rastreamento e cerca de 10% diagnosticados entre os períodos de rastreamento. Neste estudo financiado pelo NIH os autores examinaram principalmente o fenômeno do viés de antecipação do diagnóstico (lead time bias). Para isso eles usaram um modelo bayesiano para estimar quantas mulheres teriam morrido por outra causa (em teoria, com base nas tabelas de mortalidade de uma coorte nascida em 1971) antes de seus cânceres de mama chegarem a conhecimento clínico. É importante ressaltar que os autores consideraram o impacto tanto dos cânceres que nunca teriam progredido quanto dos cânceres que podem ter progredido, mas não a ponto de serem clinicamente aparentes. As mamografias e/ou biópsias falsamente positivas não foram consideradas como parte da definição de sobrediagnóstico.

A análise sugeriu que submeter-se a mais mamografias esteve associado a um maior risco de se encontrar um câncer que não foi clinicamente importante. Isso faz sentido em vários níveis, mas especialmente da perspectiva de uma base populacional, em que aquelas que são mais idosas têm tanto um risco maior de câncer quanto um risco maior de morte por outras causas. Entre a primeira mamografia e a última, a taxa de sobrediagnósticos passou de 3,1% (intervalo de predição [IP] de 95% de 1,6 a 5,1%) para 18,1% (IP de 95%: 11,9 a 24,5%). No geral, a taxa de sobrediagnósticos com base nesses cálculos para a realização de mamografias a uma periodicidade bianual foi de 15,4% (intervalo de incerteza de 9,4 a 26,5%), traduzindo-se em 1 câncer em cada 7 detectados pelo rastreamento estatisticamente "destinado" a nunca se tornar clinicamente aparente.

É importante se fazer a distinção entre sobrediagnósticos e falsos positivos. Com a mamografia de rastreamento, os falsos positivos são anormalidades na mamografia que acabam não se revelando uma neoplasia após uma nova avaliação. Os falsos positivos são caros em termos de ansiedade da paciente e da necessidade de procedimentos subsequentes para imagens e biópsias. Reduzir a frequência dos rastreamentos limita os falsos positivos, preservando os benefícios (veja a recomendação da USPSTF para a mamografia bianual). Com o sobrediagnóstico, no entanto, a pessoa genuinamente tem um câncer de mama, mas identificá-lo e posteriormente tratá-lo não melhora a saúde geral ou a sobrevida. Além disso, o sobrediagnóstico insufla artificialmente as taxas de sobrevida. Por fim, é importante considerar que os tratamentos oncológicos em si podem causar danos significativos, até mesmo a morte, e devem ser contabilizados na mortalidade por todas as causas. O desafio aqui, é claro, é que o sobrediagnóstico só pode ser identificado em uma população, e nunca podemos dizer se um paciente individualmente foi "superdiagnosticado" ou é de fato alguém para quem o rastreamento identificou um câncer em estágio inicial mais tratável. Precisamos ter em mente que o sobrediagnóstico é um efeito adverso do rastreamento, e não pode ser separado dele. Como parte da tomada de decisão compartilhada, devemos estar confortáveis em explicar às nossas pacientes que uma em cada sete mulheres diagnosticadas com câncer de mama através do rastreamento será tratada desnecessariamente como resultado do sobrediagnóstico.

Para mais informações veja o tópico Mamografia para Rastreamento do Câncer de Mama na DynaMed.

Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed

Este MBE em Foco foi escrito por Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia; Carina Brown, MD, professora assistente na residência em Medicina de Família da Cone Health; Nicole Jensen, médica de família da WholeHealth Medical; Vincent Lemaitre, PhD, autor médico sênior na DynaMed; e Sarah Hill, MSc, editora associada da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, professor do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.