A sutil suficiência das recomendações "Insuficientes"

MBE em Foco - Volume 8, Issue 17

Referência: JAMA. 2022 Set 13;328(10):963-967

Conclusão Prática: Não se demonstrou (ainda?) que as intervenções para o diabetes tipo 2 detectado por rastreamento nas crianças e adolescentes melhoram os desfechos de saúde. As evidências atuais são insuficientes para recomendar o rastreamento.

Pílula da MBE: Uma recomendação “I" da USPSTF não significa "I don´t know” (eu não sei). Dedique tempo a analisar de maneira crítica as recomendações feitas por outros grupos quando a USPSTF concluir que as evidências são insuficientes.

A United States Preventive Services Task Force (USPSTF) atualizou recentemente sua recomendação sobre o rastreamento do diabetes tipo 2 em crianças e adolescentes, apresentando uma classificação "I", de “evidências insuficientes”, devido à falta de estudos que demonstrem que intervenções para o diabetes tipo 2 detectado por rastreamento melhoram os desfechos de saúde.

A American Diabetes Association (ADA) também atualizou suas orientações em 2022, mas este grupo está oferecendo uma recomendação de Grau A/B pela qual devemos considerar o rastreamento nas crianças com pelo menos 10 anos ou púberes que tiverem fatores de risco.

Isso acontece o tempo todo — diferentes recomendações de diferentes organizações profissionais. Qual das recomendações devemos seguir? Em quem acreditamos? E por quê?

Primeiro precisamos esclarecer qual é o escopo das recomendações. Neste caso, a USPSTF está concluindo sobre a população geral de todas as crianças e adolescentes, enquanto a ADA está sugerindo a triagem em uma subpopulação que está acima do peso e tem outros fatores de risco. Então é um pouco como comparar maçãs com fatias de maçã.

Também queremos considerar as potenciais fontes de viés, as quais podem ser intelectuais, financeiras ou filosóficas. A USPSTF é um painel independente, financiado pelo governo, de especialistas em prevenção e medicina baseada em evidências voluntários e reconhecidos nacionalmente nos EUA. Esses especialistas não têm conflitos de interesses significativos e se envolvem em um processo de avaliação sistemática dos dados de forma transparente e reprodutível. A ADA é um grupo privado de apoio a pacientes parcialmente financiado pela indústria farmacêutica, e por isso há potencial para um incentivo financeiro quando mais pacientes são diagnosticados e tratados para diabetes.

As diferenças filosóficas entre as organizações profissionais tendem a parecer um viés para a ação, ou a inação, quando os dados são insuficientes. Em geral, as organizações especializadas tendem a errar mais para o lado de "fazer algo", enquanto os grupos de atenção primária tendem a primum non nocere (primeiro não fazer mal) quando não houver evidências suficientes para se tirar uma conclusão firme.

O rastreamento para identificar a doença mais precocemente do que ela se manifestaria naturalmente nem sempre é benéfico. Algumas doenças nunca causam danos clinicamente importantes, e algumas irão melhorar espontaneamente. O câncer de próstata é um bom exemplo de situação em que simplesmente identificar uma doença pode trazer mais danos do que benefícios. Quando se trata do diabetes tipo 2 ainda não sabemos se identificar crianças por rastreamento leva a melhores resultados clínicos em longo prazo. Mas sabemos que o excesso de diagnósticos pode levar a um excesso de tratamentos, o qual pode resultar em danos.

Uma recomendação "I", de evidências insuficientes, da USPSTF pode ser confundida como uma recomendação mais fraca ou uma declaração de que "eu não sei". Mas não é. Uma declaração "I" oferece transparência na avaliação das evidências, ou da ausência delas, e muitas vezes se mantém como mais válida e confiável do que recomendações que usam uma linguagem mais forte, mas são baseadas em evidências de menor qualidade ou na opinião de especialistas.

Para obter mais informações, consulte o tema Rastreamento do Diabetes Mellitus Tipo 2 na DynaMed.

Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed

Este MBE em Foco foi escrito por Katharine DeGeorge, MD, MS, editora adjunta da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed; Nicole Jensen, médica de família da WholeHealth Medical; Vincent Lemaitre, PhD, autor médico sênior na DynaMed; e Sarah Hill, MSc, editora associada da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, professor do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.