Reference: Lancet. 2021 Nov 13;398(10313):1803-1810
Como se evita um acidente vascular cerebral? Controlando a pressão arterial. E como se previne o diabetes tipo 2? Controlando a pressão arterial também? Dados observacionais sugerem que a hipertensão está associada a um risco aumentado de desenvolvimento de diabetes tipo 2. Embora o controle da pressão arterial melhore os desfechos clínicos nos pacientes com diabetes, essa não é (ainda) uma abordagem convencional para a prevenção do diabetes. Uma recente meta-análise de dados individuais buscou avaliar se uma pressão elevada é um fator de risco modificável para o desenvolvimento do diabetes tipo 2 e analisar como cinco diferentes classes de anti-hipertensivos podem afetar esse risco.
Os pesquisadores coletaram dados individuais ao nível dos participantes da Blood Pressure Lowering Treatment Trialists’ Collaboration, incluindo 22 ensaios randomizados que compararam anti-hipertensivos específicos com placebo ou outro anti-hipertensivo para a prevenção cardiovascular. Os participantes foram classificados nos braços da intervenção e do tratamento comparativo. Foram excluídas as pessoas com diabetes pré-existente e os estudos em que o diabetes foi comum. Utilizou-se um modelo de risco proporcional de Cox estratificado para a meta-análise dos dados individuais, e modelos de regressão logística foram usados na meta-análise em rede.
Uma meta-análise em uma etapa dos dados individuais dos participantes incluiu 145.939 pessoas de 19 dos 22 ensaios randomizados. Em um seguimento mediano de 4,5 anos, houve 9.883 novos casos de diabetes tipo 2. Nesta análise, uma queda de 5 mmHg na pressão arterial sistólica reduziu o risco de desenvolvimento de diabetes tipo 2 em 11% no geral (razão de riscos de 0,89). Os efeitos foram mais acentuados nos participantes com IMC ≥ 30. Em uma meta-análise em rede separada de todos os 22 ensaios, os inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECAs) e os bloqueadores do receptor de angiotensina II (BRAs) reduziram o risco de diabetes tipo 2 em comparação com o placebo (redução de risco absoluto [RRA] de 1,2% para os IECAs e de 0,56% para os BRAs). Os beta-bloqueadores e diuréticos tiazídicos aumentaram o risco (RRA de [-]2,1% e [-]0,6%, respectivamente). Os bloqueadores de canais de cálcio não tiveram efeito.
Na hierarquia das evidências, uma meta-análise dos dados individuais dos participantes está no topo da pirâmide; ela utiliza dados brutos de nível individual (em oposição a dados agregados) de múltiplos estudos para responder a uma pergunta clínica específica. Apesar de estar no topo da pirâmide das evidências, as meta-análises de dados individuais dos participantes não estão livres de ameaças à validade. Neste caso, os resultados são limitados pelo fato de que o desenvolvimento do diabetes ter sido um desfecho secundário, não primário, dos ensaios incluídos. Além disso, houve heterogeneidade estatística (e provavelmente também clínica) significativa entre os ensaios. Ainda assim, esses dados fornecem evidências mais fortes das que tínhamos antes de que a pressão arterial elevada é um fator de risco para o desenvolvimento do diabetes tipo 2 e, talvez mais importantemente, de que a redução da pressão arterial (especificamente com iECAs e BRAs) pode reduzir esse risco. Os efeitos específicos das classes (positivos e negativos) dos antihipertensivos no desenvolvimento do diabetes precisam de mais avaliações de maneira prospectiva. Por enquanto, ao individualizar a terapia anti-hipertensiva, considere o uso de iECAs e BRAs como agentes de primeira linha nos pacientes com maior risco de diabetes.
Para mais informações, veja o tópico Prevenção do Diabetes Mellitus Tipo 2 na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Nicole Jensen, MD, médica de família da WholeHealth Medical. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Katharine DeGeorge, MD, MSc, editora adjunta da DynaMed e professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia; Dan Randall, MD, editor adjunto da DynaMed; Carina Brown, MD, professora assistente na residência em Medicina da Família da Cone Health; Vincent Lemaitre, PhD, autor médico sênior na DynaMed; e Christine Fessenden, assistente de operações editoriais da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MSc, professor do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.