Referência: Lancet. 2021 Set 4;398(10303):843-855
Embora os corticoides sistêmicos pareçam ajudar os pacientes muito graves com COVID-19, os riscos parecem superar os benefícios naqueles menos doentes. A ideia de reposicionar medicamentos que já eram fabricados anteriormente e relativamente baratos para manter as pessoas leve a moderadamente doentes fora do hospital tem sido altamente atraente há meses. Aí entram os corticoides inalatórios.
O NHS britânico conduziu um grande ensaio randomizado aberto intitulado “PRINCIPLE” com três braços entre abril de 2020 e março de 2021, comparando cuidados habituais (antipiréticos, hidratação), cuidados habituais associados a budesonida inalatória 800 μg duas vezes ao dia, e um terceiro braço avaliando outras terapias como hidroxicloroquina, azitromicina, doxiciclina, colchicina e favipiravir em grupos menores. Os pesquisadores inicialmente inscreveram 3635 pacientes com uma combinação de COVID comprovada e clinicamente diagnosticada com 65 anos de idade ou mais ou com mais de 50 anos de idade e comorbidades. Os autores realizaram uma segunda análise limitada aos 2530 pacientes que tiveram testes positivos para o vírus SARS-CoV-2 após a testagem se tornar amplamente disponível. Eles mediram dois desfechos a 28 dias: o número de dias até uma recuperação autorrelatada sustentada, e o número de dias até internação ou óbito após o recrutamento. O terceiro braço, no qual os pacientes receberam vários comprimidos, não foi discutido detalhadamente neste artigo, embora o grupo PRINCIPLE tenha publicado resultados separados sugerindo que nem a azitromicina nem a doxiciclina foram eficazes contra a COVID-19.
Os resultados foram analisados com um método bayesiano que fez ajustes para idade e comorbidades na linha basal. O tempo médio até a recuperação relatado pelas pessoas que inalaram budesonida foi 2,94 dias menor com um intervalo de credibilidade bayesiano (IC) de 95% de 1,19 a 5,11 dias, correspondendo a uma probabilidade de > 0,999 de superioridade. A razão de chances de necessidade de internação ou morte dentro de 28 dias para aqueles que tomaram a budesonida inalatória versus os cuidados habituais foi de 0,75, com um IC de 0,55 a 1,03, correspondendo a uma probabilidade de superioridade de 0,963, o que inclui o potencial de um efeito estatisticamente significativo, mas clinicamente insignificante.
Isso é consistente com outras evidências de ensaios menores, e fornece evidências de razoável qualidade de que a budesonida inalatória pode ajudar as pessoas vulneráveis com COVID-19. O uso da análise bayesiana merece alguma menção. O teorema de Bayes afirma essencialmente que os desfechos dependem de características populacionais pré-existentes: neste caso, qualquer intervenção é mais propensa a beneficiar uma população mais vulnerável à doença em questão. Com base neste estudo, o menor intervalo crível de tempo até a recuperação sugere que há 95% de chances de a verdadeira redução do tempo de recuperação ser de entre 1,19 e 5,11 dias. Se tivéssemos usado as análises padrão baseadas em frequências em vez da análise bayesiana, teria sido relatado um intervalo de confiança em vez de um intervalo crível, prevendo que qualquer paciente tinha 95% de chance de um menor tempo de recuperação entre esses dois intervalos. Outro ponto que merece destaque em relação à validade interna do estudo é o fato de que componentes do desfecho composto primário foram alterados durante a execução do estudo para incluir a duração da doença (além de internação hospitalar e óbito relacionados à COVID) devido às taxas de eventos menores que o esperado. Isso diminui significativamente a qualidade desta evidência. Ainda assim, o principal achado do estudo PRINCIPLE sugere que a budesonida parece acelerar de maneira significativa a recuperação nas pessoas com maior probabilidade pré-teste de doença grave pela COVID-19.
Para obter mais informações, consulte o tópico COVID-19 (Novo Coronavírus) na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Dan Randall, MD, editor Adjunto da DynaMed. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família na faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts; Carina Brown, MD, professora assistente na residência em Medicina de Família da Cone Health; Katharine DeGeorge, MD, MS, professora associada de Medicina de Família na Universidade da Virgínia e editora clínica da DynaMed; Nicole Jensen, MD, médica de família da WholeHealth Medical; Tanya Tupper, RT(N), CNMT, PET, autora médica sênior da DynaMed, Vincent Lemaitre, PhD, autor médico da DynaMed e Christine Fessenden, assistente de operações editoriais da DynaMed. Traduzido para o português por Cauê Monaco, MD, MS, professor do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo.