Durante uma crise sanitária, quando pessoas estão morrendo, frequentemente existe o clamor para que se pulem os caminhos habituais de avaliação dos potenciais tratamentos. Uma situação urgente pode fazer com que os ensaios clínicos controlados por placebo apropriados se tornem problemáticos, e muitos pacientes que não estejam nos ensaios clínicos podem desejar qualquer tratamento que possa aumentar sua probabilidade de sobrevivência, apesar dos riscos inerentes a tal abordagem. As abordagens baseadas em evidências usam as melhores evidências disponíveis, mesmo que apenas provenientes de séries de casos, enquanto nos relembram das limitações de tais dados. De todos os tratamentos que já foram sugeridos para a COVID-19, nenhum recebeu tanta atenção da mídia quanto a hidroxicloroquina, frequentemente em associação com azitromicina. A hidroxicloroquina tem uma atividade in vitro contra os coronavírus, e muitos pacientes com COVID-19 necessitando de hospitalização receberam prescrições de hidroxicloroquina com e sem azitromicina. O estímulo para isso veio de dados clínicos iniciais de pacientes com COVID-19 em dois pequenos ensaios randomizados na China e dois estudos de baixa qualidade realizados na França.
Chen e colegas randomizaram 30 pacientes que estavam hospitalizados por COVID-19 para receberem 400 mg de sulfato de hidroxicloroquina uma vez ao dia por 5 dias versos placebo (J Zhejiang Univ (Med Sci), 2020). No sétimo dia, 86.7% do grupo da hidroxicloroquina e 93.3% no grupo de controle tiveram swabs de nasofaringe negativados para disseminação viral por detecção de ácidos nucleicos (não significante). Apenas um paciente, no grupo da hidroxicloroquina, teve progressão para infecção grave. As taxas de febre e diarreia foram similares entre os dois grupos. Em outro artigo, liberado em pré-impressão, Chen e colegas realizaram um ensaio randomizado de hidroxicloroquina versus cuidados habituais em 62 pacientes. Eles constataram que o tempo até a melhora clínica, assim como até as melhoras da febre e da tosse, foram significativamente encurtados no grupo de tratamento.
Em Marseille, Gautret e colegas trataram pacientes com COVID-19 com um regime de 200 mg de hidroxicloroquina três vezes ao dia por 10 dias (Int J Antimicrob Agents. 2020 Mar). Os pacientes com pneumonia e um National Early Warning Score (NEWS) ≥ 5 também receberam um antibiótico de amplo espectro, como a ceftriaxona. Vinte pacientes foram tratados e 16, os quais haviam se recusado a participar do ensaio ou não eram elegíveis, foram os controles. Seis pacientes do grupo tratado também receberam 500 mg de azitromicina como dose de ataque seguida de 250 mg por dia em 4 doses adicionais. Houve eliminação do vírus na nasofaringe ao dia 6 em 100% dos que receberam hidroxicloroquina com azitromicina versus 57.1% dos que receberam somente hidroxicloroquina versus 12.5% dos controles. Subsequentemente, os mesmos autores publicaram um artigo sobre 80 pacientes tratados com hidroxicloroquina e azitromicina (incluindo os 6 acima) e constataram que 83% tiveram testes de PCR para COVID-19 negativos no dia 7 (PDF). Por fim, um outro grupo de pesquisadores na França publicou um relato de uma série de 11 pacientes tratados sob o mesmo protocolo de hidroxicloroquina e azitromicina e constatou que 8 dos 10 pacientes sobreviventes ainda tinham testes de PCR positivos no dia 6 (Med Mal Infect. 2020 Mar).
Há muito o que se criticar sobre muitos dos novos estudos relacionados à COVID que estão pulando etapas no processo de revisão por pares e/ou sendo rapidamente lançados como pré-impressão. Podem-se ter longas discussões éticas sobre esse assunto em outros fóruns. Algumas preocupações específicas discutidas neste boletim incluem as ausências de controles randomizados, de análise por intenção de tratar, de desfechos clínicos e de confirmação por outras publicações relevantes. Além disso, preocupações sobre o prolongamento do intervalo QT com a hidroxicloroquina e azitromicina devem ser levadas em consideração em relação a qualquer paciente para o qual esse tratamento possa ser considerado. Por exemplo, dados em pré-publicação sugerem que o prolongamento de QT não pode ser inicialmente previsto e os pacientes, portanto, necessitam de monitoramento eletrocardiografico múltiplas vezes durante a terapia. Além disso, muitos estudos recrutaram pacientes com doença leve a moderada, enquanto o uso real dessas medicações tende a ser em pacientes hospitalizados. Nenhum dos dados aos quais tivemos acesso sugerem um benefício do uso da hidroxicloroquina ou da hidroxicloroquina com azitromicina de maneira profilática. Espere por mais antigos que relatem sobre a eficácia, ou a falta dela, da hidroxicloroquina com azitromicina. Até lá, os médicos deveriam proceder com cautela e assegurar que os pacientes compreendam a falta de benefício comprovado até o momento.
Para mais informações, veja o tópico COVID-19 (Novo Coronavírus) na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor associado de Medicina de Família da Faculdade de Medicina da Universidade de Massachusetts. Editado por Dan Randall, MD, editor adjunto para Medicina Interna da DynaMed, e Katharine DeGeorge, MD, MS, professora associada de Medicina de Família da Universidade da Virgínia e editora clínica da DynaMed.