Referência: N Engl J Med. 2020 Oct 1;383(14):1305-1316
Durante duas décadas, ensaios clínicos randomizados e revisões sistemáticas têm demonstrado de maneira muito ampla que o controle da frequência é melhor que o controle do ritmo para a fibrilação atrial. Esses achados foram um tanto surpreendentes, considerando-se que os modelos baseados na fisiopatologia sugerem que o controle do ritmo deveria reduzir mais os eventos cerebrovasculares que o controle da frequência. O corpo de evidências anterior revelou que o contrário é mais verdadeiro -o controle do ritmo não reduziu o risco de eventos cerebrovasculares e, na verdade, aumentou as taxas de hospitalizações e eventos adversos. Recentemente, no entanto, novos agentes para o controle do ritmo e avanços nas técnicas de ablação por radiofrequência renovaram os interesses acerca de como deveríamos priorizar o controle do ritmo.
O ensaio AF-NET randomizou 2789 adultos idosos com fibrilação atrial diagnosticada no ano anterior para receberem controle precoce do ritmo cardíaco ou os cuidados habituais. Esse estudo não cego incluiu adultos com idades ≥ 75 anos com história de doença cerebrovascular e adultos com idades ≥ 65 anos com pelo menos dois fatores de risco para doença cerebrovascular (idade mediana de 70 anos, pontuação mediana no escore CHA2DS2-VASc de 3,4). Quase 90% dos participantes em ambos os grupos receberam anticoagulação oral ao longo do ensaio e 30% se apresentaram com fibrilação atrial sintomática. De acordo com o projeto do estudo, um poder adequado teria sido alcançado aos 695 eventos para detectar uma diferença de 20% nas mortes ou hospitalizações cardiovasculares. No entanto, o ensaio foi interrompido aos 565 eventos devido a benefício da intervenção.
Cerca de 95% dos participantes do grupo de controle do ritmo foram submetidos a intervenção terapêutica para esse fim, mais comumente com flecainida, amiodarona ou ablação, com 65,1% continuando sob terapia de controle do ritmo e 82,1% alcançando ritmo sinusal a 2 anos. No grupo dos cuidados habituais, 14,6% necessitaram de controle do ritmo devido a sintomas, e 65% estavam com ritmo sinusal a 2 anos. O grupo de controle do ritmo teve menos ocorrências de um desfecho composto de morte cardiovascular, acidente vascular cerebral ou hospitalização em decorrência de insuficiência cardíaca ou síndrome coronariana aguda que o grupo de cuidados habituais (3,9/100 pessoas-anos vs. 5/100 pessoas-anos, razão de risco de 0,79, IC de 96%: 0,66-0,94). Os sintomas relacionados a fibrilação atrial foram similares entre os grupos a 2 anos. Houve mais eventos adversos sérios relacionados a estratégias antiarritmicas no grupo de controle do ritmo em comparação ao grupo de cuidados habituais (4,9% vs. 1,4%, NNH= 28), incluindo sangramentos importantes devidos a procedimentos de ablação e bradicardia induzida por medicamentos.
O importante aqui é que o o controle precoce do ritmo aumenta os riscos de sangramentos procedimentais e bradicardia, em comparação ao controle da frequência, sem melhora no controle sintomático e com uma melhora modesta nos desfechos cardiovasculares. A pequena magnitude absoluta do benefício do controle precoce do ritmo em termos de prevenção cardiovascular precisa ser ponderada em relação aos custos e à simplicidade do tratamento, se os pacientes forem ser anticoagulados de qualquer maneira. As limitações importantes deste ensaio incluem a falta de mascaramento, múltiplos desfechos com alterações nos tempos de acompanhamento e a interrupção precoce do ensaio, o que enseja um risco estabelecido de super-estimativa do benefício e subestimação dos riscos. Este fator final pode ter resultado um subestimação dos reais anos potencialmente causados pela estratégia de controle do ritmo dado que sangramento importantes e outras complicações foram mais comuns nesse grupo. Antes que o raciocínio mecanistico nos levem de volta para uma estratégia de controle precoce e do ritmo os médicos devem contrabalancear de maneira cuidadosa os riscos conhecidos os benefícios potenciais e os reais custos dessa estratégia.
Para mais informações, veja o tópico Controle da frequência cardíaca para a fibrilação atrial na DynaMed.
Equipe editorial do MBE em Foco da DynaMed
Este MBE em Foco foi escrito por Carina Brown, MD, professora assistente na residência em Medicina de Família da Cone Health. Editado por Alan Ehrlich, MD, editor executivo da DynaMed e professor de Medicina de Família da faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts, Dan Randall, MD, editor adjunto para Medicina Interna da DynaMed, e Katharine DeGeorge, MD, MS, professor associado de Medicina de Família da Universidade da Virginia e editor clínico da DynaMed.